Por razões que desconheço em absoluto, que tanto podem prender-se com uma extrema empatia para com o outro (ser humano) — aspirando a que, se todas as pessoas fossem como eu, ninguém andaria com a blusa do avesso na rua —, um TOC de não poder ver nada fora do lugar, ou simplesmente porque tenho a mania que sou estupendaça, outro dia corri a avisar uma vizinha de que ela trazia as cuecas à mostra.
Vinha eu com meu Pacheco — comprei um carrinho para me alombar com as compras, tipo velhas no mercado, e assim lhe chamei, em homenagem à grande Hermínia Silva e seu guitarrista —, quando vislumbro, ao fundo da rua, a minha vizinha de baixo, senhora para os seus setenta e picos e de carnes abastada, que, após despejar várias garrafas de vinho no vidrão, se preparava para entrar num carro daqueles que têm uma etiqueta TVDE. Subitamente, ela move-se, exibe-me a traseira e vejo-lhe, não o traseiro, convenhamos, mas a cueca, com a saia toda ali entalada. Quem nunca? Só quem não usa saias, uma percentagem quase irrisória da população mundial. Basta um chichi à pressa, há um repuxar mais desajeitado das pregas-laregas do vestido-larido, e lá se vai para a rua, enfrentando o(s) desconhecido(s) de pernas até ao quadril e cuecas à vela.
Foi uma sensação de quase pânico, a que me tomou, mas, como sempre nessas, agi imediatamente. Dava para bombeira. Ou paramédica (paranóica, mas sim). Ou super-heroína, drug free. Desato então a correr na direcção da vizinha, Pacheco a reboque, quando me lembro que não sei o nome dela (apesar de vivermos sob o mesmo tecto vai para trinta anos), então foi mesmo de “Ó vizinha! Ó vizinha!”, como naqueles bairros, e ela a meter-se no carro e a fechar a porta. “Queres ver que vou morrer na praia?”, pensava meu músculo cardíaco todo acelerado. Felizmente, e porque existe um pequeno compasso de espera entre a pessoa entrar no carro e o motorista arrancar, alcancei-o, bati desesperadamente no vidro, a vizinha abriu a porta e disse-lhe: “Tem a saia presa nas cuecas”. “Estou indecente?”, respondeu ela, num risinho de nervos. “Está.” Estive mesmo para lhe recomendar passar a andar sem cuecas, a ver se estas coisas não voltam a acontecer-lhe.