12/09/2022

Voltei às pistas

O fenómeno deu-se há duas semanas, ainda faltavam nove tratamentos para acabar a radioterapia. Ao contrário do que o povo julga, eu não sou valente nem corajosa: sou das maiores e mais temíveis teimosas que conheço. Tinha consultado o oráculo da aplicação que me mede as maratonas e concluí que havia corrido pela última vez há oito meses, cinco dias antes de começar a quimioterapia. Não acredito nisto, porque não tenho nada ideia de ter corrido dez quilómetros já com o diagnóstico feito. Mas, se a aplicação diz, deve ser verdade.

Os primeiros duzentos metros, fi-los em subida, o que foi bastante inteligente da minha parte: tive, desta forma, a clara noção do que é ser um carro de bois, em que eu era o animal de tracção e os bois iam lá atrás, deitados no carro, de papo para o ar. Ponderei seriamente a possibilidade de me sentar no chão e deixar correr o marfim, porque estava quase a mascar os pulmões e a fazer um balão com eles.

Teimosa como uma mula, arre burra, obriguei-me a pensar noutra coisa, tipo trapos bonitos, e siga. Fiz o percurso que fazia há oito meses, determinada a, em vez de dar dez voltas ao largo — o que fazia das minhas corridas qualquer coisa de bastante monótono e aborrecido, mas tinha a vantagem de 1. Saber que aquelas dez voltas representavam cinco quilómetros; 2. Não corria (passe o pleonasmo) o risco de me perder, se fosse em linha recta —, dar apenas uma. A ideia era correr um quilómetro ou dois, na loucura. Cheguei ao largo e ele estava transformado numa feira, com farturas, churros e porras, tudo menos livros. Tive que contornar dezenas de barracas de louça e cacos, tapetes e cenas que desconheço para o que servem, mas dei a volta completa ao largo e, quase morta dos bofes, voltei ao lar. 

A aplicação somou cinco quilómetros, mas acho sinceramente que estava toda avariada de saudades. Na semana seguinte fui correr para o estádio universitário, que é só lombas, parece uma pista de motocross, e, aos três quilómetros, toda eu era suor e sei lá que mais porcarias. Aguentei até aos cinco e meio e basicamente estraguei o meu domingo. 

Tenho que ir mais devagar, dizem os outros humanos. Mais devagar do que isto, nem as velhinhas das caminhadas. Ou faço moonwalk, que sempre justifica a lentidão da actividade.