18/06/2022

Nunca digas nunca

Foi durante aqueles dias de calor, a praia que este ano me está proibida — mas já lá estive, sentada sob o guarda-sol, de chapéu na cabeça e besuntada como um peixe (fora de água) para assar, juro que só pus os pés metade do corpo no mar uma vez, e nem mergulhei, olha, para o ano posso pedir seis desejos, paz, saúde, alegria, beleza, dinheiro e chocolates, não necessariamente por esta ordem —, que saí à rua e a canícula ia-me fritando os mióis, Natércia transformada num capacete de ferro daqueles que se colocam nos condenados da cadeira eléctrica, só lhe faltavam os fusíveis, achei mesmo que ia electrocutar a caixa craniana, então cheguei a casa e arranquei-a. Perguntei para o lado da casa onde se encontravam todos se preparados para me verem sem Natércia, o uníssono positivo, surgi então cheia de medo e alívio, mas sou tão parva e amada, a primeira reacção veio dele, não que goste mais de mim do que os outros, mas porque é mais rápido no gatilho, mesmo à macho, @s não binári@s que não me escutem, fui eu que fiz este homem que me enche sempre de orgulho e afecto, o primeiro abraço vem sempre dele, como naquele dia em que mandei mensagem para o nosso grupo com a palavra carcinoma, depois também naquele outro em que a palavra era remissão, disse ele: “Tão bonita”, com os olhos escuros e enormes que guardam a comoção dos do meu pai, para logo desmontar a “fraqueza” e acrescentar “Pareces um kiwi”. A mais velha, minha primeira vida, “Pareces uma actriz, ou a Sinead O’Connor”, a mais nova, “Que pausada”, o pai deles todos, “Pelinhos [meu mais recente petit nom], estás cheia de pelinhos na cabeça”. Foram seis meses a esconder o que estava por baixo da cabeleira, agora acabou também isso. Fiz o que disse que nunca faria.