Estatelou-se ao comprido no chão de casa, desfez o colo do fémur em mil cacos e o pulso direito em três ou quatro. Escorregou em água, entornada de um copo que não viu cair.
Escreve-me então um relato mais semelhante a um relatório, ou a um relambório de amarguras, embora pouco amargurado: duas mensagens de whatsapp com vinte linhas cada uma, logo seguidas por quinze fotografias e um filme, antecedendo estes mais duas mensagens igualmente semelhantes à espada de Dom Afonso Henriques. As fotografias retratam as várias fases da queda plus hospitalização, plus pós-operatório, plus já em casa. Não sei eleger a melhor ou a pior de todas: ela de óculos de sol na cama do hospital, ela na cadeira de rodas, solitária, num corredor, ela em casa de camisa de noite tigresse. O filme é a filmagem do momento em que os bombeiros a retiram pela janela de casa — mora, obviamente, numa moradia —, para evitarem ter que pôr a maca na vertical e passar os corredores todos desde o local da queda até à rua com a múmia senhora em pé, ou, quem sabe, de cabeça para baixo, não fosse ela soltar-se das amarras e esfarelar mais um fémur. Perguntei quem filmou, diz que foi um genro (of course, quem perderia um prato destes com a sogra, que ponha o dedo no ar, no nariz, whatever).
Isto não tem piada nenhuma, é apenas mais uma prova de que a minha vida dava uma longa metragem de m. Mas fiquei a meditar nas razões que levam alguém a encher a caixa de conversação — e a dos pirolitos — de outrem com tão profusa informação (?). E também no quão desimportantinha sou, pois nem uma simples pergunta a saber de mim a mulher me dirigiu. E ainda bem, porque ser a vedeta da doença é o papel que pior me assenta em todo o elenco.