O meu menino azul, de olhos copiados do meu pai —, mas grandes, grandes —, que me olham, agora já só de vez em quando com aquela luz de deslumbramento que era plena quando no berço, começou há um par de anos a sacudir as peninhas e a abri-las em ensaio de voo, coisa que percebo pela maior escassez dos abraços primeiros, que vinham sempre depois das minhas tempestades. Disse um dia, há muitos meses, que queria ir de Erasmus, e eu atónita, como se ele ainda estivesse dependente da minha opinião, autorização ou dores muito maiores, perguntei, nunca saberei se a brincar: “A mamã pode ir contigo?”. Também nunca saberei, talvez nem ele, da seriedade da resposta: “Podes.”
“A gata vai morrer de saudades tuas.”
Agora prepara afincadamente a candidatura para um mestrado longe de mim o suficiente para que não possa amparar-lhe alguma queda, pois imagino que sente as asas fortes e a desnecessidade das minhas mãos. Longe de casa, longe da gata. Há pouco avisou-me que vai para ficar, porque aqui não há nada.
Deita-se na cama, acabado de chegar do treino, a gata corre-lhe para cima do peito, ele afaga-lhe o dorso e ela fica num transe amoroso, a olhá-lo nos olhos, enquanto ronrona. É a imagem dele, pequenino, deitado sobre mim em êxtase perante a perfeição que já perdi. Diz ele exactamente o que penso naquele instante: “Não sei o que será desta gata quando eu me for embora.”
A gata vai morrer de saudades dele.