10/12/2021

Qual é que foi o momento em que soubeste?

Não foi na mamografia — embora o “entalão” das placas da máquina (que é um torno, ninguém se iluda), daquele lado, fosse mais desagradável do que do outro; não foi na ecografia, quando o médico viu nas imagens algo demasiado espesso; não foi quando a médica olhou para os exames e disse que, já agora, fazíamos uma ressonância.

Eu fui. Calhou-me um técnico alegre e bem disposto, que me avisou que ia ouvir um concerto de heavy metal. Eu ai que prefiro música dos anos 80, mas isso não havia, então lá lhe fiz a vontade e esparramei-me de barriga para baixo, braços ao longo das orelhas, “Ponha-me o botão de pânico longe de mim, que eu sou aquela que o espreme sem querer e aborta a missão por um lapso de distracção”, e a festa começou: martelos, apitos, sirenes, pancadas metálicas, centrifugadora em acção, intervalados pela desagradável gravação de uma voz feminina, “não respire”, “não se mexa”, “a próxima etapa do seu exame tem a duração de quatro minutos”. Supostos vinte minutos que passaram largamente dos trinta, eu dentro do cilindro, assustada e quieta, nunca na vida pensei sobreviver a tamanha merda toda junta.

Foi quando me levantei dali e me sentei na marquesa, que vi os olhos de riso dele cheios de sombras e tempestade, que percebi. Não perguntei nada, por respeito, inutilidade e cobardia. “Desejo que lhe corra tudo bem”, como quem diz, “Eu vi o teu cancro, ele está aí dentro”.