06/12/2021

Cancro

Sei agora que “visionamos” a nossa própria morte numa linha do horizonte ténue e indefinida, na qual há-de, um dia, longínquo e incógnito, surgir um barco, primeiramente com o tamanho de um grão de areia, invisível à distância, depois aumentando de dimensão — para uns, à velocidade de uma lancha, para outros ao ritmo de um barquinho sem remos, apenas à deriva da corrente —, até ter-nos chegado perto o suficiente para que nos leve na viagem sem retorno àquela praia.

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Não hesitei um segundo em escrever este texto. Não porque necessite de piedade, comiseração ou orações — que necessito, não vale a pena camuflar este pânico que me toma inteira de dia e de noite há demasiadas semanas —, mas porque escrever é a minha catarse, e não me alivia fazê-lo só para mim. De todas as vezes que o fiz anteriormente, rasguei ou apaguei, e, desta vez, preciso do meu testemunho como testemunha, gravado a ferro e sangue, para um dia ler e, quem sabe, pensar “Ainda bem que passei por tudo aquilo”. Porque a vida é isto, um mar de rosas cheias de espinhos, da qual é fundamental retirar o bom odor, e quem sabe também sofrer as dores das picadas.

Já agora, também não vim à procura de mais seguidores nem de um boom nas leituras diárias aqui do coiso. O blog tem quase nove anos, pouco passa dos cem seguidores há talvez uns sete, um ou dois deles sou eu própria, talvez metade já nem “exista” na blogosfera. 

Acho que vim só para avisar que, se calhar, vou perder por uns tempos o meu sentido de humor, ou aquilo que considero como tal. 

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Outro dia, estava tão descoordenada das ideias, que fui correr e fiz dez quilómetros. Devagarinho, uma vergonha de 8,5 minutos por quilómetro, mas fiz. Fiz e farei tantos dez mil metros quantas as vezes que esta nova alma me permita.

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O que mais me lixa? Ficar sem o meu cabelo. Mesmo quando anda desvitalizado, espigado, multicolorido derivado às tintas e ao sol, com a raiz branca porque está na altura de ir pintar, com um ondulado estúpido e desconexo, é o meu cabelo. E não me adianta que me digam que “é só cabelo” — não, não é: é uma parte de mim que me é tão cara como o nariz lindo que os meus pais me fizeram —, ou então que “depois cresce outra vez, ainda mais forte”, eu não quero isso, eu quero o meu cabelo, este cabelo, o de hoje. Sou fútil, pois sou. Alguém tem que ser. Não há pessoas burras também? Então, é a mesma coisa.

O que mais me consola? Tudo isto se passar comigo e não com um dos meus pintainhos. Não existe maior dor do que ter um filho doente, sem se saber quando e como é que aquilo vai acabar.

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Como se já não bastasse, apanhei uma pulga, que me tem consumido as carnes sem dó nem piedade. Tenho dentadas dos pés à cabeça.


Eu sei que sou gira, não precisam de mo dizer. E que desperdício, agora ficar sem cabelo e inchada. Pode ser que depois fique ainda melhor. (Como se isso fosse possível.)

Vou cortar o acesso a comentários porque “vai tudo correr bem” e “força!”, já deito pelos olhos. Peço desculpas. Começo logo a cantar mentalmente aquela música italiana na época do início da quarentena. E a merda toda é que não correu nada tudo bem. 


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