05/05/2020

Coisas que o vírus maléfico me ensinou até agora [actualização #4]

21. No primeiro dia de gradual desconfinamento soltou-se-me ainda mais a língua. Ali no espaço de duas horas, arrumei três pessoas, que acredito ainda estarem a remoer raivas contra mim neste momento. Senhora Dona Madame pegou ao serviço e vinha descansada e fresca, com as nuancezinhas em dia, após quarenta e cinco dias de pausa laboral. Havia discutido as férias via telefone, "Eu só não vou trabalhar porque vocês [rolling eyes, minhas avós não sobreviveriam a isto] não querem", de modo que levou uma sabatina daquelas que eu, mole, em vinte e dois anos, lhe dei o quê? Vá, umas cinco, talvez a contar com esta. Retirei-lhe as férias de Junho (pelos Santos, não há pachorra) e deixei as de Agosto em suspenso (ou suspense, como diriam os estrangeiros). É quer, quer, não quer, conhece bem o caminho da porta. Pá, e não me forniquem com a merda dos direitos, que eu é que sei da minha barraca; Depois fui ao correio e predispus-me a enfrentar uma bicha de uma hora. Estava a mandar mensagens pelo meu telemóvel e tenho atrás uma tipa, não sei se a ler o que eu escrevia, se só a querer levar na corneta. Quando lhe disse: "Temos que manter a distância de segurança", não é que a flor amuou? Pôs-se a três metros, aleluia, croma; Ao cabo daquele tempo todo de espera, já sem posição para estar de pé e quando era eu a próxima a ser atendida, vem de lá uma asinha e coloca-se ao meu lado, "A senhora desculpe eu estar aqui, mas é que sou prioritária e vou entrar a seguir". Bom, o fdp do karma anda a tourear-me. "À minha frente, não entra de certeza. Não quero saber qual é a sua prioridade, mas, se insistir nesse argumento, chame a Polícia, que eu explico aos polícias por que é que não a deixo entrar. Prioritários somos todos, estamos todos em risco, portanto, por mim, pode ir para o fim da fila, ficar aqui à espera que alguém a deixe passar, ou ir sei lá para onde". E pronto, entrei a minha vez, e nenhum polícia veio atrás de mim;
22. A Natureza segue o seu incondicional curso, indiferente às transmutações provocadas e sofridas pelo Homem. Num dia faz calor de Verão, no dia seguinte uma ventania ciclónica. É para ver se percebemos que há elementos que não dominamos, por mais asneiras e remendos que façamos;
23. Não gosto deste novo léxico, e espero esquecê-lo e deixar de o usar o mais rapidamente possível: vírus, pandemia, cuidados intensivos, ventilador, máscara cirúrgica, viseira, luvas, contaminação, quarentena, confinamento, contingência, e isto só para começar. Que falta de assunto por que todos fomos contaminados;
24. Com algumas variações, os gatos não apreciam a companhia dos humanos 24/24. Na verdade, são eles os donos das casas, onde permitem que as suas pessoas também vivam. Nos primeiros dias de quarentena, a minha gata andava ansiosa, inquieta, incapaz de fazer aquelas sestas que são a nossa inveja. E, como qualquer gato, tem uma muito peculiar forma de impedir o trabalho a partir de casa. Quem tem gatos e usa computador sabe do que falo (às vezes até acho que não só o formato, mas também o estímulo que provoca nos gatos é responsável pela designação do rato, hardware);
25. Não sei se actualizarei mais esta coisa dos ensinamentos que o vírus me trouxe. Vinte e cinco está de bom tamanho. Faço algum sacrifício, no sentido em que tenho que retirar um bocado da minha vida, em vir aqui. O blog não me faz falta. A blogosfera também não, salvo uma mão mal cheia de blogs que ainda leio. E ela vai continuar, mesmo sem ele/ mim. Provavelmente, como o vírus.


4 comentários:

  1. Olá
    Os meus gatos adoram companhia. E não me parece que sofram de insónias.
    O mesmo não posso eu dizer...

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    1. Olá, Ana. A minha destravada já entrou no ritmo normal da casa, agora resta saber como é que vai reagir quando todos sairmos. Irá sofrer de solidão nos primeiros tempos, imagino...

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  2. Pena, eu gosto de ler os teus desabafos, mas entendo, tb desisti fo meu.

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    1. Eu ando há que tempos a desistir do meu. Entretanto fez sete anos e nem me lembrei :(

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