Rosinha, minha canoa, foi ao senhor doutor bate-chapas, espécie de pediatra onde deposito a confiança do saber que não domino, com vista à revisão dos não sei quantos quilómetros. Ia sujo e desleixado, vítima de um quase abandono de dar dó, por conta e (sem um único) risco de uma quarentena e anteriores meses de preguiça minha. Até uma teia de aranha - cuja autora há muito que emigrou para outras paragens, onde pudesse largar mais saliva e apanhar outros insectos - entre o vidro traseiro e o aileron, a minha pobre canoa azul já tinha. Debaixo do pedal do acelerador, jazia há semanas uma folha de Outono, sei lá se do já saudoso e inocente 2019.
Bom. Vou atalhar nesta descrição, não vão vir vozes, daquelas que têm sempre o carrinho todo estupendaço, para aqui dizer que não se admite e que eu sou é suja.
Quando fui buscar Rosinha, todo ele luzia à sombra da oficina, de banhinho tomado e cara lavada. Aspirado por dentro, um cheirinho a desodorizante de dar gosto, parecia uma menina da vida. Porém, pá, a minha vida nunca pode ser perfeita. Foi entrar no bote e aperceber-me de uma mosca. Duas moscas. Três moscas. Um enxame. Já iniciara a marcha e já me encontrava a rolar na estrada. Eu e as moscas, à boleia de Rosinha como aqueles parasitas no lombo dos hipopótamos. Abri uma janela, depois outra, e consegui expulsar, a golpes de pano do pó, algumas delas. Mas zzz, duas mais persistentes. Determinadas a viver comigo, no meu carro, qual roulote pelos litorais, surfando e rindo para a vida, segundo me pareceu. Transportei as duas até casa, e sei isto, pois mais tarde, quando voltei a sair, ainda me zumbiam aos ouvidos e me atacavam olhos, nariz e boca, à vez. Uma delas só saiu cerca de oito quilómetros depois. A outra, já só consegui expulsá-la junto ao rio. Estimo que façam amigas novas. Eu não posso tudo e já fiz a minha parte na pegada ecológica em só as ter sacudido com o meu paninho cor-de-rosa, ou seja, em tê-las apeado (ou esvoado) borda-fora sem um arranhão ou amolgadela (mesmo no ego), devolvendo-lhes a liberdade para irem pousar em paz nos milhares de cocós canídeos que por aí há à discrição em todo o lado, mas não em Rosinha. Convenhamos.
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