28/11/2018

And that awkward moment # 53

em que te encontras, por tua autoiniciativa (assim como, por doces nove meses, há muitos anos, e agora por mais uns suaves minutos, esperando por ele), enclausurada em Rosinha, [minha canoa], noite cerrada num local escuro e ermo desta cidade — Cidade Universitária, numa daquelas ruelas desertas, que vão dar a nowhere —, raciocinas que talvez seja melhor trancares as portas à chave, clicas no fecho centralizado e sentes-te, se não segura, pelo menos fermosa, depois clicas no botonete que te dá acesso a aquecimento, luz de presença e rádio, recostas-te e pensas em coisas aleatórias, do tipo "Ai, se eu fosse criminosa, era para aqui que vinha criminar", quando se te chega ao vidro uma figura humana, dá dois leves toques no vidro do teu lado, e tu, após teres tomado aquela inteligente e grande decisão de fechares o carro todo... abres o dito, deparas-te com uma cara estanhada e um sorriso rasgado, que te pergunta assim: "Por acaso, não quer comprar cebolas ou cenouras?". [Código dealer?] E tu, entre o aterrorizada, o aturdida e o divertida, respondes a estúpida da verdade, que é um previsível e singelo "Não, muito obrigada", rasgando um sorriso tão louco como aquele que estás a receber, com a única diferença de que com mais dentes. 
Ocorre-te, então, que talvez ali tenhas diante a personificação da tua velha teoria, de que há pessoas que, efectivamente, não existem, apenas passam por ti na rua, na vida e no mundo, e depois se esfumam. Uma espécie de fantasmas, mas sem algum dia terem tido existência no planeta. Isto, para o bem e para o mal, também válido para a inesperada e extraordinária simpatia no atendimento de uma loja e para a criança que guincha no supermercado. 

(Odeio-me, esbofeteio-me e sovo-me mentalmente por não ter dado uma resposta mais assertiva, do género: "Por acaso, estava aqui sentada sem ter nada para fazer, e estava mesmo a apetecer-me roer uma cebola. Quanto custa?". Mas só me lembro das boas respostas quando já passaram horas sobre as perguntas esdrúxulas.)


4 comentários:

  1. Anónimo30/11/18

    Eu também sou assim: tb só me lembro de respostas espirituosas depois de se me darem os fanicos todos a que tenho direito!!! ahahaha! muito bom!

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    1. Adorava ter um raciocínio mais rápido, isto assim perde metade da graça :)

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  2. Igual... igual... medo que me pelo da violência e assaltos (já fui vitima de vários)... e tenho a certeza que faria o mesmo, destranca na porta e resposta parva. Eheh .you are not alone.

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    1. Eu tenho-me safado de variadíssimas vezes em que sei que IA ser assaltada, mas nunca aconteceu. A maior parte delas, porque estou sempre muito alerta, mas outra parte, por pura sorte, como esta poderia ter sido.
      Somos todos mais ou menos iguais :)

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