18/09/2018

Crocheiras?

Lagartando ao sol qual centopeia de apenas dois pés, apercebo-me, nas minhas estreitas proximidades, de um grupo de senhoras de já longa existência, maillots a condizer com as idades — grossos, padrões indiferentes e indefiníveis, um número ou dois acima do que lhes corresponde (para não ficarem justos ao corpo, ele próprio forrado a uma pele maior, bem maior do que os ossos que a sustentam) (naquela etapa da vida em que parecem trazer vestido um macacão de pele humana muito maior do que o corpo) —, sentadas em cadeiras desdobráveis que os igualmente descaídos e rugosos — porém, muito menos viçosos — maridos carregaram e carregarão, todas conversando animadamente, ou melhor, três escutando o discurso da quarta, que, sem trégua ou tomada de fôlego, prossegue, intrépida, enfática.
Então, penso,
Onde é que andam as senhoras do croché?
Dantes, as senhoras daquela geração, invadiam, ornamentando, as praias, os transportes públicos, as salas de espera, tic-tic-tic, com seus tricôs no Inverno, seus crochés no Verão. No horizonte oposto ao da linha que traça o mar, eram uma componente fundamental na paisagem do areal, ao longo de toda a costa, irmanando em importância com a bola Nivea, o banheiro, a senhora dos bolos (toda vestida de branco, mala de madeira branca à cabeça) e a rapaziada de chapéu de palha e baldes coloridos onde eu me confundia.
O que é que lhes fizeram? Deixaram-nas envelhecer mais e substituíram-nas por estas? São as mesmas, mas desistiram do croché? Estas estão só a fingir que não fazem croché, mas fazem-no às escondidas? Ou estão, efectivamente, a "fazer renda", e eu é que não estou a perceber? Ou estão ali, elas e a sua "falha", para me lembrar que não falta muito para ser eu própria a pegar nas linhas e na agulha de barba e, à frente de toda a gente, por insondáveis artes mágicas, articulando umas na outra, fazer aparecer uma toalha de chá?
Pode ser que já ninguém tome chá, quando esse dia chegar.



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