26/04/2018

Barreira linguística # 2

Vamos supor que entras para comprar um rímel à prova de água com a escova curva, e te deparas com uma vendedora que quer que compres uma máscara, que pode não ser à prova de água, com a escova plana.

Entro e peço, por favor,
- Um rímel à prova de água.
Chama a colega, chefe de loja/ mais habilitada/ mais capacitada para me vender o que eu não quero comprar/ tudo junto.
- Máscara de pestanas. — Corrige a altíssima — Queira acompanhar-me ao expositor.
E lá vou, tic-tic-tic, até à grande placa negra, onde se expõem tintas e truques para nos enganar (e podermos iludir-nos de que enganamos o próximo, seja lá ele chegado ou distante) em relação à passagem do tempo, ou àquilo que nunca tivemos (boas cores, pestanas longas, pele de pêssego, olhar profundo, profundamente enigmático). 
- É esta a nossa máscara waterproof. — Anuncia (corrigindo um anglicismo, mas usando um estrangeirismo inútil), enquanto me apresenta a solicitada escova empapada em tinta negra.
- Eu queria com a escova curva. Tem algum assim?
- Não, só este. — E eis que começa a quebrar-se-lhe a curta paciência, o que percebo pelo ligeiro baixar de braços. Ainda assim, insiste:
- Mas esta escova é muito boa, proporciona o alongamento da pestana. 
Quando se trata de estética, tudo passa a ser conjugado no singular: o pêlo, a pestana, o pé, a mão, a raiz, a cutícula. Quanto aos restantes, acho que não, mas, se apenas tivéssemos um pêlo ou uma pestana, imagino que nenhuma de nós se daria a trabalhos de arrancar, ou pintar, alongar, enrolar. 
- Mas eu queria curva, nada como uma curva para me enrolar as pestanas. — Teimo.
- E tem mesmo que ser à prova de água? — Muda ela de estratégia.
- Tem. 
- É que temos aqui uma máscara com a escova curva, mas não é à prova de água.
- Mas eu quero à prova de água.
Não quero explicar-lhe que vivo o drama puramente feminino da touca horrível + fato-de-banho assustador, e preciso imperiosamente de levar pestanas que se vejam para dentro de água.
Negócio não feito, não desfeito.


2 comentários:

  1. Tira-me do sério cenas assim em lojas. Quando a pessoa sabe o que quer e alguém resolve tentar convencer-nos que não, não é aquilo que queremos... GRRRR

    ResponderEliminar
  2. Pois, não percebo. Acho que é o velho ditado em pleno: o bom julgador por si se julga, ou seja, as funcionárias das lojas andam pela casa dos 30, e pensam que a vontade de todas as mulheres é volátil. Não sabem nem sonham que há um ponto da vida em que nós já sabemos tão bem o que queremos, que nada, ninguém, nem coisa nenhuma alterará :)

    ResponderEliminar