06/04/2023

Agora só nos falta uma praga de gafanhotos

Nos últimos dois anos, a minha vida tornou-se num rosário de amarguras com muitas continhas: covid com direito a duas semanas de internamento, inundação que basicamente destruiu a minha casa, e cancro. Resolvidos o primeiro e talvez o último, começou a obra de restauro do lar, a terminar nunca, não fora termos dado um ultimato à equipa, “Amanhã [hoje] mudamos, esteja isto como estiver”. Não sei se lançaram foguetes, se assaram para ali sardinhas, se cuspiram fogo sei lá de que parte do corpo, a verdade é que nos incendiaram a varanda, pelo que, em vez de ir “estrear” uma casa a cheirar a tintas e a móveis novos, vamos para uma que só me lembra uma chouriçada assada, e há-de ser o pitéu que me adentrará as narinas nas próximas noites. Dizem eles que caiu uma beata lá de cima e pegou fogo a uns cartões e a umas madeiras que ali estavam. Bem se vê que nunca estudaram Física e desconhecem que um objecto feito de papel e esponja, com um peso que não deve chegar a três gramas, não faz um trajecto descendente de vários metros e depois, sem mais nem menos, num dia sem vento, curva para dentro. Azar deles, que nenhum vizinho de cima dos meus fuma, ao contrário do pintor, que mais vezes vi com a pipa nos dedos do que com o pincel.