04/03/2021

Um pouco de futurologia

Pergunto-me, com assinalável frequência, durante as minhas caminhadas a alombar com sacos de compras (de fruta e outros bens consumíveis, antes fosse de sapatos e saias), que nefandas consequências ao nível indumentário terá esta pandemia, logo assim ela termine, se é que ainda assistirei a tal dia - o que, caso assim não aconteça, até me dá um quentinho na alma, já que "o que está exposto" não me agrada de todo, e fico com uma sensação igual àquela que me atormenta de cada vez que entro (ou entrava, melhor dizendo) numa loja e me diz(iam) "só há o que está exposto" e eu queria era que fossem ao armazém rebuscar caixotes e charriots até encontrarem o meu pretendido por não gostar de nada do que estava na porra da loja. 
É que vi uma mulher na rua com um fato que nem percebi: em polar turco, meio brilho (se calhar não encontrou com brilho cegante), calças e casaco de fecho, cor beringela - esse indefinido indefinível -, punhos e tornozelos de malha canelada, e, a completar o ramalhete, um téni branco aleatório. (Também consideremos o facto de não existir calçado algum que não choque com aquela fatiota, já que ela própria se encarrega de o provocar.) Portanto, a pessoa ia de pijama ao banco. 
Tenho visto nas lojas online essa nova modalidade de toilettes que responde pela designação de "roupa confortável para estar em casa", um híbrido entre o pijama e o fato de treino, que facilmente resvala para a categoria de roupa-para-dormir-com-que-jamais-se-põe-os-pés-na-rua-nem-que-haja-um-incêndio-a-meio-da-noite-e-tenha-que-se-fugir-à-pressa. Não, nem debaixo de um sobretudo - o nome diz tudo, passe o pleonasmo: sobre tudo o que se veste na rua. 
Então lembrei-me das dramáticas consequências que teve a Expo 98 a esse mesmo nível, ao vir institucionalizar o calção no homem. Houve ali uns meses (e foram cinco, não doze como até agora) em que estava calor, a exposição era ao ar livre, numa zona de micro-clima, junto ao rio, e era aconselhável levar roupa leve, chapéu, água e sei lá se abanicos. A Expo terminou, mas deixou o presente envenenado do calção masculino pelas cidades fora, adoptado por novos e velhos e altos e baixos e gordos e magros. 
(Reflictam e repitam comigo: calções na cidade, só para jovens e ou senhores muito atléticos. Secos de fome. Esganados.) (Vou fundar um movimento "Nós não queremos ver barrigas a abanar, o que inclui as das pernas".)
Assim como Mary Quant inventou a mini-saia - e há-de ter dado pinotes no túmulo por ter arranjado modo de pôr à mostra, além de pernas que bem a aguentassem, paios e chispes -, a Expo inventou o calção do homem. E a pandemia inventou o pijama de rua.
My eyes. Nem com um garfo espetado neles vou conseguir desver. E sei que é o que me espera, de outrora (desde que começou a pandemia) em diante. E nem me adianta emigrar.


4 comentários:

  1. A minha filha que está na idade ligar muito à moda, diz que a pandemia fez as pessoas se vestirem cada vez pior.
    Eu não ligo muito mas tenho notado que vejo muitas pessoas de pijama (se não é, parece).
    Prefiro os calções aos homens gordos e velhos de tronco nu à janela. Isso sim um verdadeiro drama social.

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    1. Está tudo errado, Ana. Ou tudo certo, quando imaginamos que o supremo mau gosto não vem de um elemento detonador, mas que já estava na génese das pessoas. A única coisa que aconteceu foi que "soltaram a franga".
      Os pijamas. As barrigas à janela. E ainda não chegámos ao Verão, esse flagelo de pneus à mostra, quando não nalgas orgulhosamente pejadas de borbulhas na praia. (Eu sei que fui gráfica, desculpa. Mas são coisas que me ferem a vista e é quando menos espero que me atacam.)

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  2. Pijama de rua!!! Oh mon dieu... Assim é que nunca mais volto a engatar. Só uma vez vi um pijama realmente sexy. Não foi na rua. Se alguém sair de pijama polar à rua, eu desisto de pinar. ;)

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    1. (Os pijamas de Inverno conseguem ser exponencialmente mais feios do que os de Verão, digo eu.)
      Não há condições para o (teu) engate, se o pijama de rua se generalizar. A menos que o adoptes também, mas não creio que exista maior corta-fogo, por assim dizer. Ainda por cima, o que normalmente lá vai dentro é carne de refugo, se é que me entendes. Lutemos contra, irmão. Ninguém te quer casto :)

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