10/10/2019

Lá a ver se eu não tenho cara de parva/desocupada/aérea/invisível

Estou eu muito bem na loja de tecidos, com a firme e inabalável intenção e uma grande vontadinha de comprar sete padrões diferentes que me estão debaixo do olho e quero levar debaixo do braço, aguardando a minha vez, detentora da senha 77 e sem ter reparado onde diachos ia o contador delas, quando uma das duas únicas funcionárias ao balcão me interpela com aquele menear de cabeça, "A senhora?", e me ponho a debitar tudo o que quero, apontando para a estante com o dedito indicador, "Quero um metro de cada um daqueles sete". E vai ela, nisto, e põe a manita aberta em sinal de STOP e diz-me assim: "Importa-se só que atenda esta senhora primeiro?". Vá que considerei que a tal dita senhora podia ter chegado antes de mim, que, inebriada pela beleza dos tecidos, associada à matemática que fui fazendo - sempre a somar o que, contas feitas a final, resultaria numa subtracção para o meu lado -, lá lhe disse que sim com a cabeça também, mas a minha acompanhada de um leve sacudir de ombros. Então, ela atendeu aquela senhora, pois muito bem, aviou-a, recebeu o pagamento, deu o troco, e aconteceu que entrou outra na loja, que essa vi bem que já foi depois de mim, e a do balcão vai e desata a aviá-la também. Eu, de senha 77 na mão, já a hiperventilar, a sentir a desagradável sensação da invisibilidade, que só me dá quando não faz falta nenhuma. Incrédula, vou de perguntar qual é o critério ali dentro, que a pessoa que me estava a atender já vai na segunda cliente que atende na minha vez, e é então que entra em cena A Colega, a questionar-me - e talvez muito bem - qual é o número da minha senha. Eu digo "77", como quem diz "33", e ela esclarece-me que o contador ainda vai no 64. É quando rio, de nervos. A loja é pequena, para além de mim, enquanto freguesas, estão mais três pessoas: a que está a ser aviada pela minha caixeira, a que está por conta d' A Colega e uma outra desgraçada que está ali há horas a ver passar navios em alto mar. Em suma, se é que faltam treze pessoas para a minha vez, capaz de terem ido todas tomar café juntas ali à esquina e ainda vão aparecer de surpresa, com aquela merda da tolerância de duas senhas como argumento para me ultrapassarem na bicha. Com sorte, serão treze prioritários, todos grávidos e velhos acamados, aleijados a arrastar o soro e malucas com um calmeirão de dezoito anos ao colo, ai queres ver que é hoje que eu me passo? A que estava a atender-me veio então com um sorriso que eu nem percebi de que cor (para aí verde) e, como sou assim intransigente e já tinha mudado de ideias porque contrariada, mandei cortar meio metro de cada um dos sete tecidos, e sim, gosto de dar trabalho às pessoas que merecem. Está ainda ela a cortar o segundo meio metro, ou seja, já eu era possuidora de um metro de trapo, quando me pergunta, nem percebi se para me provocar ou só porque é das que gostam de apanhar: "Importa-se só que eu atenda aquelas duas senhoras que acabaram de entrar, e já volto aqui para cortar o resto dos tecidos?". 
Foi a raiva.
Foi o espectáculo: a pequena multidão embasbacada.
Importo. Aquelas duas senhoras vão esperar a vez delas, como eu já esperei a minha, aliás, por duas vezes. Não percebo os seus critérios, nem quero perceber. Quem é que lhe diz que eu não estou com pressa? Que não tenho uma vida para além de estar aqui de gesso, à espera de ser atendida? Que eu não tenho um tacho ao lume? Ou um alguidar de roupa na lixívia?
Caladinha, cortou - a direito - o resto dos tecidos, pagou-se e ficou, ela e as outras duas, mais A Colega, a verem-me sair a bater o salto alto, um nico fula, depois de ter dito, em tom de promessa-ameaça: "Eu volto."

8 comentários:

  1. que belo naco de inicio de guerra!!! vai, Blue, abre a batalha e decepa essas songas-mongas, armadas em ambrósios das fazendas!!! vai, Blue! não te deixes intimidar pelas tesouras abertas, entala-as nas prateleiras do recinto, apanha-as pelos cós das calças e biqueira-lhes a fuça! anda! sem medo!! não conhecem a bicha, vão apanhar no bichão!

    Blue! Blue! Blue!

    (oh pá! gosto tanto de te ler :)))

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    1. Logo a mim, que sou da paz, flor! É que nem as levo pelo diálogo, pois parece que não pescam nada do que eu digo! É como dizes, só partindo para a ignorância :D

      Faz-me claque, por favor! Eu sou daquelas que precisam de incentivo :D

      (Queres falar sobre isso, minha praticamente única favorita? :))

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  2. :) saudades de ler as tuas "trapalhadas"
    Abraço ♥️

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    1. Esta minha vida é aquela tragi-comédia de sempre, Be :)
      Tu também andas mais ausente, e fazes-me falta ♥️
      Beijos, querida

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    2. Não tenho tido tempo nem para os miúdos mas agora julgo que vai melhorar 😊

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