04/05/2018

Murphy, deves-me mais uma!

Saio de Cascais e verifico que o conta do gasóleo de Rosinha me dá para 46 quilómetros. Sei que estou a 30 do meu destino, que é a distância entre uma boa parte do meu coração e a minha vida. Faço aquela viagem uma vez por semana — e não mais por impossibilidade absoluta —, assumo que 46 me dá para estacionar nas calmas e ainda ir à bomba mais próxima, assim haja vagar e tempo. É essa corrida contra ele, ou a minha inultrapassável preguiça que me levam a meter-me a caminho, matemática certa, imprevistos não ponderados. 
O conta vai baixando e ainda não cheguei à A 5, mas está tudo controlado, penso eu, logo insisto. Tomo a autoestrada feita de prata pelo sol do meio-dia, que me aquece Rosinha, e a mim por inteiro. Tenho o ar condicionado desligado e começo a sentir que não vai ser possível chegar a Lisboa com a temperatura a subir àquele ritmo. Penso,
Mais vale ficar sem gasóleo à chegada do que morrer de calor,
ligo o ar, que me bafeja um hálito quente demoníaco para a cara, mas não ponho a hipótese de parar em Oeiras, porque 
o gasóleo vai dar
E também,
Quanto mais depressa chegar, mais cedo acaba esta agonia,
e toca de acelerar Rosinha. Faixa da esquerda, pisca-pisca-pisca, numa ultrapassagem infindável. Mas o conta baixa a níveis que me fazem suspeitar da possibilidade de o combustível não esticar até à minha porta. Passo para a faixa do meio, para poupar nas rotações. O conta estabiliza, já passei Oeiras, tenho para 14 quilómetros e o optimismo regressa. Mantenho-me atrás de uma fileira de carros que persistem nos 80 km/h, e penso,
Mais vale ficar sem gasóleo do que morrer de tédio,
e sigo, de novo pela esquerda.
Estou a passar a última bomba, a mil e duzentos metros de casa, quando recebo um telefonema de trabalho. Isso distrai-me do conta, que já tinha baixado dos 10, largos metros antes. Quando acaba o telefonema, estou a quatrocentos metros de casa e tenho gasóleo para 3 quilómetros. Chego à minha rua com 2. Não encontro lugar para estacionar, dou uma volta ao quarteirão e, quando paro, tenho gasóleo para 1 quilómetro.
É o momento em que se me acabam as forças e entro em desespero, pois sei que não chego a bomba nenhuma com três gotas de combustível. Concluo que não sei viver no limite.
[Felizmente, tive filhos. E uma delas, valente, pegou em Rosinha e levou-a à bomba. Contou-me depois que nem teve que desligar o carro: assim que parou para abastecer, ele simplesmente "morreu".]

4 comentários:

  1. Acho que tu é que deves uma ao Murphy ahaha corajosa ;)

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    1. Ou inconsciente, distraída, demasiada descontra...? :D

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  2. Sem "pitrol" e com AC ?
    Inconsciência total ...grande ranço !
    "Quem não arrisca não petisca", mas petiscaste o quê ?
    Borbulhas de tantos nervos ?
    Eu falecia e já devidamente falecido ficava sem gasóleo ,era certinho.

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