Era uma vez um homem que, pouco depois dos quarenta, sofreu um acidente muito grave, que o atirou para uma cama de hospital, num coma que parecia não ter fim. A mulher, médica, persistiu na ligação de todas as máquinas que lhe suportaram a vida durante quarenta dias, contra todas as perspectivas, contra a vontade de todos os colegas que observavam o marido, contra a lógica científica. Uma familiar, em visita, ouviu o seguinte comentário de um para outro: "Mas o que é que ela quer mais? O homem está morto!". E, dessa mesma "morte", um dia o homem "ressuscitou" e ainda sobreviveu mais vinte anos, sem sequelas, fazendo felizes mulher e filhas, e mãe e irmãos, e cunhados e sobrinhos, e sendo feliz, também ele. A tal morte, quando veio, não adveio em consequência do acidente.
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Era uma vez uma senhora, passados que haviam sido os noventa anos, frágil como um passarinho, que caiu doente com uma doença que de nenhum cuidado seria, não fora o factor idade, o factor debilidade física, o factor indiferença pelo mundo. Contra todas as perspectivas, contra a opinião de médicos, de ombros encolhidos e a palavra "idade" a cada suspiro, contra a lógica científica a que o pequeno corpo recusou obedecer, a senhora recuperou e, apesar de (não há melhor metáfora, daí o pleonasmo) frágil como um passarinho, saiu do hospital para viver ninguém sabe quanto mais.
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Estas são as histórias do meu pai e da minha mãe, assim ordenadas por uma mera opção cronológica.
Esta é a minha opinião sobre a eutanásia. Baseia-se apenas em — dirão alguns, pobre — experiência pessoal. Nem sequer tem influência religiosa — com aquela base "o que Deus deu, só Deus pode tirar", pois que, contra-argumentando comigo própria, também por uma lógica estritamente científica, se fui eu que dei vida aos meus filhos, também só eu... É que não.
Não sou fundamentalista em relação a coisa nenhuma. Mas não consigo estruturar ideias inteligentes e forma(ta)das quando o assunto é amor.