Como em outros semestres de há alguns anos para cá, lá me pus nas tamanquinhas (eufemismo de ténis), a caminho da Corrida Sempre Mulher. Há duas por ano: uma começa e acaba nos Restauradores, a outra é no Parque das Nações. Ambas têm o comprimento de quinhentos mil centímetros. Isto, dito assim, faz-me sentir uma iron woman, que é, no fundo, o que sou. Posso já não ter uma saúde de ferro, mas continuo a ter uns nervos de aço. Steel woman, eu.
Tinha treinado numa das passadeiras do ginásio, mas não havia passado dos dois mil metros, e quase à custa de dopping. Não sei quem inventou as passadeiras, mas estimo que tropece naquela coisa e se enfie no rolamento, para sair qual folha de papel na próxima volta. (Lá estou eu a ver desenhos animados a mais). Quanto a mim, saía de lá suada que nem um reco, com ganas de cuspir o segundo pulmão, visto que o primeiro já mastigara e engolira. Convenci-me e conformei-me que não ia conseguir cumprir tanto milímetro que a prova exigia, mas consegui. Este post não é sobre a corrida, é sobre toda uma preparação física — da qual já falei — psicológica, [Vai, mulher, tu dá-lhe. Interessa é estares lá e não tropeçares] e emocional. Já uma vez falei aqui do estado sinuoso em que se encontram os passeios do Parque das Nações, por conta das raízes das árvores e da falta de vontade, com a desculpa do dinheiro, nhé-nhé-nhé, de os municípios se entenderem e arranjarem aquele pedi-paper de Dakar. Passaram vinte e seis anos sobre a construção, imaginando que ao fim de seis anos as raízes rebentaram com o cimento, façam lá as contas, que eu não estou capaz. Pois, está tudo na mesma.
Mas eu ainda não ia preocupada com a crueldade do piso, pois ia apenas a dirigir-me ao ponto de partida. Calcorreava, então, a passadeira de ripas que tem as colunas que suportam os mastros das bandeiras não sei de onde, quando meu téni se encaixou na perfeição numa das imperfeições de uma ripa qualquer, tropecei olimpicamente, senti que houve ali um milionésimo centésimo de segundo em que os meus dois pés estiveram no ar em simultâneo [I believe I can fly], tudo num ralenti muito rápido, olhei para a frente e avistei de muito perto um dos postes e, pelos meus cálculos, apercebi-me de que ia marrar de frente com ele, ainda meditei [O que é que lhe dou? A testa, o nariz ou os dentes? A testa, assim como assim já cá cantam duas costuras, feitas no espaço de seis meses, de quando era uma petiza distraída], mas subitamente decidi que ia fazer do inimigo meu amiguinho, estendi os dois braços e zás, abracei-o com toda a comoção que o momento exigia. Fiquei de pé, agarrada ao poste, impecável, sem uma dor, sem uma unha lascada. Pensei em fazer uma dancinha do varão ali mesmo, mas estava apressada, tenho zero forças nos braços e, em bom rigor, sei lá eu fazer essas excentricidades.
Tenho quase a certeza de que esta grande vitória na luta entre mim e a gravidade contribuiu em muito para a pequena glória de ter ultrapassado a meta em vários minutos, mais ou menos os mesmos que fazia antes de ter adoecido. Está tudo na cabeça? Sim, e nas pernas, ide lá plantar anonas, que aquilo custa um nico.