10/10/2024
Alegria de estar viva
03/10/2024
Em primeiro lugar
Pela terceira vez voltamos a Sul já no Outono, as duas vibrantes, gloriosas e após penosa contagem decrescente, por sabermos que vamos encontrar céu e sol e mar e areia, num vestígio que lembra ainda o Verão. Deixamos para trás homens, trabalhos, casas, supermercados e ginásios, e mais tudo, notícias mundiais e mundanas, unhas impecáveis, maquilhagem e “o que é que hei-de vestir hoje?”.
Almoçamos nos restaurantes da praia, e é ali perto que está um gato ao sol, dormindo ou o que seja que os gatos fazem quando estão deitados de olhos fechados, tamanha é a rapidez com que se levantam, totalmente despertos, quando pressentem o perigo. Diz-me ela que ele está muito magoado na cara e lá vou eu, de um salto, interrompendo a refeição que ainda não comecei. A mancha branca e laranja aninha-se ao murete do canteiro, chego-lhe perto, faço-lhe festas na testa em direcção ao nariz e ele regala-se. Digo-lhe “indecências” em gatês, abrando a mão e ele ergue a cabeça, miando. Pede mais. Dou-lhe mais uns mimos, enquanto observo as feridas: um golpe fundo na cana do nariz, vestígios de sangue seco nas pálpebras, que praticamente não o deixam abrir os olhos. Pergunto por ali de quem é o gato, “Os gatos aqui não são de ninguém”. Faço uma lista mental do que levar no dia seguinte: pomada antibiótica, mas que exige que lhe ponha também um abat-jour, sob pena de ele limpar tudo com a pata. Alguém que lhe dê uma injecção de antibiótico, mas como é que a compro? Posso dar-lha eu, porém preciso de assegurar que outra pessoa não tem a mesma ideia. Faço um cartaz a pedir um veterinário pro bono? Pode nunca aparecer. Ligo para a Câmara a pedir ajuda? Boa ideia, se não for para o enfiarem num gatil.
No dia seguinte, confirmo a presença do gato no mesmo local, mas reparo em tacinhas de comida e água à porta de uma das lojas. Pergunto à senhora que me atende se o gato é dela. É como se fosse, trata dele. Peço-lhe que o leve ao veterinário, caso contrário ele morre com a infecção. Que não, que de vez em quando são os cães, é um vidro, são as folhas secas dos cactos. Mas depois passa. Que ele está velhote, mas é muito bem tratado. Tem as vacinas em dia e tudo.
Não posso mudar o mundo. Acerco-me do gato, ele abre os olhos e vejo um azul e um âmbar. São dois corais rodeados de sangue. Ouço a voz da minha terapeuta, “Tem que colocar-se em primeiro lugar, o seu papel de cuidadora já terminou”, e penso que não quero estar em lugar nenhum, quero apenas sarar as feridas que puder sarar.
26/09/2024
Afinal ela fala tanto
24/09/2024
O vidro desceu, o lodo escorregou, a terra tremeu, a mulher correu e não ganhou nenhuma medalha. Tem sempre que brigar com um espanhol, também
Este ano já fiz muitas férias, mas assim uma semana de cada vez. Será a vantagem de ser dona do meu (extremamente belo e bem feito, obrigada mãe, obrigada pai, aquilo na Av. Roma correu bem) (eu fui concebida na Av. Roma, n.º 40) nariz: ganha-se malíssimo, quase não dá para os alfinetes (cinco euros uma caixinha com uns vinte), mas faço a mala e ponho-me na alheta (destino de sonho) em menos de um fósforo.
Fiz Marbella, fiz o Açor, fiz Islantilla e ainda vou estender as peles para o Algarve para a semana. Entretanto, ainda tenho um casamento lá onde a nação foi fundada. Ninguém merece, fazer no mesmo dia como passageira uma viagem de quatrocentos quilómetros e depois pegar na roda, já como condutora, e marchar para o sul, mais uns trezentos. Mas tudo pelo bem de mim. Mas alguém ainda casa? Não percebo a cena destes dois. No casamento dos pais do noivo, apanhei uma caganeira intoxicação alimentar que me meteu na cama por uma semana em plena época de exames, só a gregoriar, parecia o canto gregoriano, mas em bolçado.
Islantilla foi giro. Não houve nada que não nos tivesse acontecido. No final da viagem, um dos vidros de trás do carro abriu e já não fechou. Eu fui, durante quinze quilómetros, a rebentar os tímpanos e a agarrar o cabelo, parecia que íamos num cabriolet. Não houve truque nem traque que movesse a m. do vidro. Ainda meti a manita naquele buraco de onde ele sai, mas só consegui fazer entrar até ao início dos dedos e não o alcancei nem com as unhas. Desistimos e fomos para a praia, deixando o carro num parque exterior. À noite, deu-me uma epifania e resolvi que devíamos tentar uma última vez algo que já havíamos tentado: motor ligado e carregar no botão da própria porta. Muito impante e cheia de mim, disse a cônjuge: "Liga o motor". E assim o vidro subiu. Senti por instantes que faço falta neste mundo.
No dia seguinte, de novo na praia, entrámos no mar e começámos imediatamente a escorregar, como se tivéssemos uma pista de gelo debaixo dos pés, o que nos pareceu impossível. Agarrámos os ombros um do outro e começámos a rodar e a gritar: "Agarra-te!", "Agarra-me!", "Não te deixes cair, senão eu também caio!", até que, depois de uma figura viralizável em qualquer rede, saímos dali, mas cônjuge batera com o pé numa pedra (ainda bem que não caímos, caso contrário era com a minha cabeça que a pedra vinha ter) e sangrava. Dirigiu-se ao Salvador, que era um petiz para aí com dezoito anos e que, muito divertido, lhe contou que, só naquela manhã, já tinha feito seis pensos. Parece que em Espanha não há bandeirolas para delimitar zonas perigosas, põem uma criança a colar pensos nas pessoas crescidas e já está.
Entrementes, a Terra tremeu. Era de noite, a pessoa soube imediatamente o que estava a dar-se. Disse a cônjuge, que dormia placidamente e que duvidou da minha palavra até que lhe perguntei por que raios tremia a cama, "Ah, pois é". [Suspiro profundo.]
Fomos três vezes ao ginásio e nenhuma ao spa. O máximo que corri foram dois quilómetros e não sei como não saí dali em ombros, dado que exerci um esforço demasiado tremendo.
Para não variar, briguei com um espanhol, que, ao contrário do outro (que tinha toda a razão), tinha metade da razão. Mas nem vou contar, que isto já vai longo e eu quero almoçar.