23/09/2017

Por qué no te...

Encontro-a no supermercado. Está mais magra, mais bonita, a mesma chata de sempre. Sei que casou com o viúvo da melhor amiga e, de dote, levou os dois filhos com ela, adoptando os dois dele, já tudo gente graúda. Juntaram os meus e os teus, já não irão a tempo de fazer nascer os nossos, mas isso é lá com eles. A soma de dois mais dois só interessa aqui por conta da falta de noção e da incapacidade de retribuição da minha simpatia. Desperdiço-me com certas pessoas, porque adoro sofrer. É uma drenagem, uma purga, uma desinfestação. 
Só me falta encostar os dois cotovelos ao guiador do carrinho, e a anca à fruta, porque sei que vem de lá um bocado da minha vida que facilmente deitarei fora quando contabilizar o que interessa, mas que apresentarei no Juízo Final como um momento daqueles que me faz merecer o céu para onde não quero ir. Mentalmente, ofereço pela saúde dos meus filhos, ponho o sorriso número três, que é o de plástico, e ouço. Ela fala ininterruptamente, é daquelas pessoas que falam para se ouvir e, rigorosamente, não ouvem ninguém. Refiro-me a escutar, não apenas a utilizar o sentido da audição. Tenho dela a pior das impressões nesse aspecto, por já ter passado momentos de verdadeiro ferro e suplício por conta da sua incessante verborreia, versus minha falta de tempo/paciência/está-a-chover/tenho-uma-criança-aos-gritos. Mas é minha conhecida, vizinha de bairro, filhos na mesma escola há muitos anos, não há volta a dar-lhe — nem a ela nem a mim, que não sei fugir nem ser mal educada. Há uns anos, numa festa de final de ano — que, já por si, são ocasiões que proporcionam ambientes que, esses sim, criam em nós vontades irreprimíveis de evasão (física, não mental) —, foi esta pessoa "salvar-me" (palavra dela) da seca que a directora da escola me estava a pregar, tendo eu até ficado agradecida no momento, para, logo de seguida, me pregar ela uma seca maior ainda — e, seca por seca, mais valia ter ficado só pela primeira, não se estragavam duas casas, ou lá o que é.
Pergunta-me pelos filhos, para não ouvir a resposta que balbucio, perdida nos lábios, que bem, que esta semana tivemos uma grande vitória profissional de uma delas. Pergunto pelos dela, responde-me a respeito dos filhos dele como se fossem dela, parece-me entre o comovente e o demagógico, entre o carinhoso e o absurdo, e, como fico, mais uma vez, sem palavras, digo qualquer coisa que pode parecer uma inconveniência, ou então uma simpatia: "Agora já sabes o que é ter quatro". Como se fosse comparável a adopção de dois adultos, a juntar a outros dois, com a criação de quatro crianças desde o nascimento. Mas isto, ela ouviu e, mesmo assim, sem perder a proa nem a pompa, reduziu a minha, pelos vistos, péssima comparação, empolando os grandes trabalhos a que está condenada com tanta gente, respondendo "Ah, mas eu tenho quatro, e tenho duas casas, não é como tu, que só tens uma casa para governar". 


7 comentários:

  1. Anónimo23/9/17

    Ó cum caneco Azulinha, já dei muito para esse peditório, já tenho a minha quinta lá em cima à espera.Nesta altura sem ser mal educada, é olá ,tudo bem, então os filhotes e até à próxima ;) Certas pessoas têm o dom de me sugar toda a energia. Distância,Azulinha, distância....
    Tá visto que ficaste sem resposta,certo? E quando chegas te a casa é que te veio á cabeça umas quantas que podias ter respondido??
    Beijinhos Azulinha e bom fds 🌸

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    1. É esse o termo certo, Miss Curvas: "sugam". Sugam-nós até a boa disposição. Felizmente, já não tenho que conviver tanto com ela como dantes.
      Fiquei a pensar: "E noção?"
      Beijinhos, bom fim de semana também para ti 🌸

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    2. sugam-nos *, corrector analfabeto

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  2. Anónimo24/9/17

    Era uma resposta à altura, logo. Comigo não falha.
    LB, ser educada e elegante é bonito, mas há dias em que não dá. ;)
    AL

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    1. A quantidade de respostas à altura que nós damos mentalmente, a posteriori ou se fosse connosco, dava um livro, AL :)

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    2. Anónimo24/9/17

      Também é verdade. :) Mas eu respondo sempre. Sei que até devia controlar-me, às vezes... mas é mais forte do que eu. Um dia, talvez chegue a esse patamar. ;)
      AL

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    3. Olha, eu depende :)
      Há dias e momentos em que estou altamente inspirada e são ali os meus quinze minutos de fama, há outros em que pareço uma amiba proteus :)

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