16/09/2015

Ziza, a mosca de estimação

Entrou uma mosca, há dois dias, cá em casa. Veio pela porta da varanda, que deve ser aquela que é conhecida como a porta do cavalo — embora fosse difícil metermos por ali um jerico, já que o lar nos fica a dois pisos do solo —, por contraposição à porta de quem cá mora, das visitas e dos convidados, que, conforme se sabe, não são exactamente a mesma coisa. 
De início, ficámos incomodados com a chegada de mais um habitante, num casebre de cimento onde dormem e se alimentam seis bocas, dois focinhos e dois bicos; tementes, não fosse a bicha tirar-nos migalha, ou, pior do que isso, inquinar as nossas. Vai daí, a doutrina e a prática dividiram-se, e formou-se uma facção que defendia a morte (ó a contradição implícita na expressão), e outra, por mim encabeçada, a do Movimento Pro-vida da Mosca. 
Foram quarenta e oito horas de muita luta (os Anti-fly foram apanhados, por diversas vezes, em tentativas de silenciamento da bicha, o que nos obrigava a nós, Pro, a manietá-los, e, simultaneamente, a defendê-la, não só com unhas e dentes, mas com o corpo todo, designadamente agitando os braços, para que ela, embora assustada, de coraçãozito em palpitações, fugisse a voar da zona de perigo afora), de muito uso de truques caseiros para a atrair para uma janela aberta (luzes apagadas, luz acesa fora de casa), e de tentativas para que saísse pelo mesmo buraco por onde entrou, como os bebés. Mas não houve nada que a demovesse de nos pairar, qual fantasma, nas cabeças, nas paredes e nos móveis, na paciência das gatas e na gaiola dos passarinhos. 
Ao fim de vinte e quatro horas, cabecilha do meu movimento, instituí que a posição mais sensata seria a de aceitar a permanência do animal cá no lar, nos mesmos termos e com os mesmos direitos que qualquer dos restantes dez habitantes, o que foi aplaudido pelos dois — e únicos — apoiantes da minha seita (nesta casa, estamos sempre num empate doloroso e inconveniente, um três para três que nem no basquete é tão irmanado, e não contamos nós com as gatas e os passarinhos — que funcionam como a percentagem abstencionista, absolutamente necessária num quorum que se preze —, embora estejamos convencidos que, a sufragarem, a igualdade ainda seria mais esmagadora, pois são mais dois pares e haja quem invente uma maioria, num plenário composto por pares, e depois falamos). E, assim, foi-lhe atribuído um nome suficientemente onomatopeico, com vista a que ela, pelo menos, nos entendesse quando a chamássemos (para vir para a mesa, por exemplo): Ziza.
Só que hoje...
Hoje é dia de festa, há bolo, o bolo deu trabalho a fazer e a Ziza não o ia largar, feita lambona, a querer ser a primeira a esparramar-se nele, ignorando o facto de não ser o aniversário dela. Além disso, ficou claro que não seria capaz de entoar a melodia dos parabéns, para mais do que  zzz-zzz. Pressionada por mais um ataque da facção Anti, abri, pela enésima vez, a janela da cozinha e, como nas aldeias, peguei num trapo e enxotei-a, até ela sair. E Ziza, a minha mosca, voou, para longe do meu bolo que não é meu.
Assim, saiu, por um buraco diferente daquele por onde entrou — como os bebés de cesariana. Faz todo o sentido, no dia de hoje.


16 comentários:

  1. E tudo o que consigo escrever é:

    Dá-me um bocadinhooo!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Serás lambona, como Ziza, tu, Pandy?

      Vou só preparar a caixinha de tuperware, depois amando.

      Eliminar
  2. Anónimo16/9/15

    Depois de ver a foto, não me admira! Se eu fosse a mosca tb faria o mesmo!

    (Bolo, Bolo, Bolo, Bolo, Bolo, Bolo, Bolo, Bolo, Bolo, Bolo, Bolo, Bolo!!!)

    (Vê lá se mandas uma fatia, nem que seja virtual!)

    :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Vendo bem, também eu.

      (Ainda não o abrimos, mas eu já salivei tanto que espero que as papilas não estejam demasiado encharcadas.)

      (Já tenho ali umas caixinhas virtuais, para os envios :))

      Eliminar
  3. Guarda-me 2 fatias. Sim, 2, porque 1 nunca chega :P

    ResponderEliminar
  4. Anónimo16/9/15

    Também quero!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olha outro lambão. Sai mais uma caixinha!

      Eliminar
  5. O post é enorme, mas felizmente, li esta frase: "ssim, saiu, por um buraco diferente daquele por onde entrou — como os bebés de cesariana."
    ...e já valeu a pena. :p :p :p

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Leste-o todo, então! :P
      E deixaste escapar ou ainda para que saísse pelo mesmo buraco por onde entrou, como os bebés?
      :P

      Eliminar
    2. Não... só li esta frase. :D

      (as pessoas vão pensar que estou a brincar, mas pronto... assim custa menos...)

      Eliminar
    3. Ó pá, sou tão subtil... :D

      Eliminar
  6. Quero lá saber da mosca... Bolooooooooooooo!!!

    (e beijinhos à piquena. Da parte do Mg.)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Repara: poupei mais uma vida. Isso não te comove?

      (Mando-te uma caixinha com uma fatia generosa, por aquele mensageiro, lembras-te?)

      (serão entregues. Eu digo a fonte e tudo.)

      Eliminar
    2. Absolutamente nada. Eu é mais bolos.

      (aquele que se perdeu pelo caminho? Perfeitamente...)

      (e nada de ficares com alguns pra ti. Hoje é só pra menina.)

      Eliminar
    3. Bruto, ai bruto!

      (esse mesmo. Talvez desta vez me meta a cavalo, no lugar dele.)

      (unzinho, só unzinho...!?)

      Eliminar