31/08/2015

Gosto de ti, em looping, em repeat, goes and comes around.


Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 22

Fui comprar bolachas Oreo*, para fazer um doce-que-é-horrível, mas meu agregado adora, portanto, quem sou eu. Chego ao mufifo do Titimimiro, mais precisamente ao corredor da tortura para as papilas que é o das bolachas. Deparo-me com Oreo brancas, pretas, qualquer cor, como o pinga amor da Tonicha, ia-me desorientando, você quer tudo o que vê. O doce-que-é-horrível leva Oreo normais, daquelas horríveis, que uma pessoa mete na boca e parece que abocanhou os vasos das florzinhas, ou então que esteve a comer sarrabulho (ai, que saudades da minha avó), e esqueceu-se de lavar os dentes, de preferência ainda à mesa. Comprei três pacotes — lá está, como é que eu aspiro a escrever coisas sérias, se nem tenho unhas para este aspirador? Mas pacote é giro. Não? Ah. —, e, como existe uma Maria Piça em mim, que tudo o que vê, cobiça, tive que rebocar comigo as outras variedades de Oreo que lá havia, tudo com intenções probatórias e gustativas, como as papilas que carrego oralmente em mim.


Por acaso, no momento em que cheguei a casa, me vi sozinha com os três pacotes (chiu) e com a tarefa de elaboração do doce-que-é-horrível pela frente, não sei se foi solidão, se quê, mas já só consegui tirar este belo retrato que aqui vos posto após rebentamento de um dos pacotes (chiu, já disse), e uso e abuso de outro (caludas). Neste momento que vos escrevo, já me amandei sem dó ao pacote que ficou intacto, e confirma-se o quão.

Receita do doce-que-é-horrível (cada um sabe de si):

Bolachas Oreo esmagadas (pode ser com o pilão do almofariz, que esmaga que é uma lindeza) + 1 lata de leite condensado (pode ser magro — hahaha, só cai quem quer, mas existe) + 1 pacote de natas batidas em chantilly (eu uso Longa Vida* porque sou parva — quando bato aquela nhanha, ela espalha-se-me pelo tecto e paredes da cozinha, e, com sorte, ainda me respinga a raiz do cabelo, as pestanas e as fossas).

É uma bomba calórica, péssimo de tão doce e espesso, mas a rapaziada adora. Haja fígados que aguentem, que eu estou fora. Tenho uma vesícula parca em fel, mas também não preciso de enchê-la de melanga.

* ninguém me paga para isto, nem ninguém me calará.

Tetra

Andava há uns meses a fabricar uns nódulos nas axilas, que mas faziam parecer belos, férteis e fartos campos de batata doce. Não há paralelo melhor, perpendicularmente falando. Consultei um médico, ou seja, um médico consultou-me... eh, pá, não sei quem consulta quem, numa consulta, mas ó: consultámo-nos, sendo que ele era (e só já não é, porque morreu) uma sumidade na dermatologia portuguesa e eu uma mulher — que ainda sou —, com uma considerável prole de três bonecas, a maior de todas com cinco anos de idade e a mais pequena com meses. Isto, para além do óbvio transtorno que ali me levava, que era o tratamento do meu batatal. Quando entrei no consultório, constatei que a pessoa que ia colher os tubérculos que a natureza se encarregava de semear em tão inóspito lugar, era um homem muito mais velho do que eu havia imaginado, vestido com a bata branca da velha medicina que não acredita nem nunca ouviu falar nas mariquices do medo da bata branca. Ele viu, pegou numa lanceta, abriu, sangrou e pôs penso. Isto podia ter sido a solução para o meu assunto, só que não foi, e continuei a produzir batatas como se já tivesse o óleo ao lume. Andámos, o médico e eu, umas semanas naquele ritmo alucinante — ele, de lanceta em punho, eu de axilas em riste.
Até que ele se fartou daquele romance purulento (e eu também andava um bocadinho cansada), e entendeu que a solução teria que passar pela faca mais afiada que ele lá tinha na imaginação e na sala de cirurgia. Para tanto, quis preparar-me e, ao mesmo tempo, usar um método que evitasse o nascimento de novos nódulos e, por isso, receitou-me um antibiótico poderoso, chamado Tetramox (o nome é muito importante neste meu conto), que eu deveria tomar até ao dia da cirurgia, vagamente pensada para dali a três ou quatro semanas. Disse-me ele que me iria fazer uma escavação em profundidade — que eu entendi como uma espécie de lobotomia sovacal, na qual perderia todas as qualidades daquelas duas zonas, sejam lá elas quais forem —, qual mineiro chileno (expressão que não é minha, mas é tão boa que não resisto a usá-la. Obrigada, F.), atalhando explicações mais detalhadas, eventualmente devido à minha expressão aterrorizada, com um

Filha, ficas aí com duas costuras, mas, em compensação, nunca mais tens pêlos,

o que eu até achei agradável, uma vez que a depilação definitiva se encontrava nos seus primórdios, e nem eu tinha como enfrentá-la, uma vez que ele me ia todo para as fraldas.
Ora, eu andava feliz com um dispositivo intra-uterino cá dentro do útero. Para quem não saiba, o DIU liberta cobre, que é o que inibe a valentia da bicharada espermatóide e a impede de brincar à caça ao ovo, seja Páscoa ou não. Para quem também não saiba, a tetraciclina do Tetramox inibe a produção de cobre ao DIU.
Ora, vamos lá a números: eu disse ali em cima que tinha três bonecas, certo? Uni-bi-tri...
Lá para os gregos, o quatro é o quê?
Os sinais que a vida nos dá estão todos no lugar, nós só temos que aprender a lê-los.
E foi assim que, passados nove meses, me apresentei na sala de cirurgia, sim senhores, e o cirurgião me bisturou, é certo — mas não as axilas, e sim um pouco abaixo, tendo feito de mim a tetra mais feliz e orgulhosa deste planeta e dos outros, incluindo os anões e tudo.
Faz hoje quinze anos.



30/08/2015

Não é só cabelo

Lembram-se da Mimi?
A Mimi do cabelo comprido?


Mandou o cabelo para Inglaterra. O IPO pedia-lhe 35 centímetros e ela não aguentou a espera nem um corte mais mutilante. Pode haver quem não entenda isto. Mas entendo eu, porque, ao contrário do que se diz por aí, não é só cabelo. Em tempos acompanhei de perto o cancro da mama de uma pessoa próxima, e disse-me ela um dia que se via à noite, sem a mama, e sem o cabelo, e as lágrimas corriam-lhe todas pelo cabelo. Não é só cabelo. Numa mulher, o cabelo é a moldura do rosto, é o toque final da feminilidade, é o que nos distingue de um rapazinho quando somos pequenas. A minha mãe contava-me que uma vez me vestiu umas calças jardineiras, na altura em que eu tinha o cabelo muito curto (cortado por mim), e que um electricista foi lá a casa e exclamou, ao ver-me, Mas que lindo rapazinho!, e isso foi o suficiente para que eu nunca mais tenha suportado ver-me de cabelos curtos, logo eu, que era o Joãozinho do meu pai e isso me enchia de vaidade, ele a pentear-me depois do banho, enquanto dizia Mas que bonito que é o meu Joãozinho...

Não é só cabelo, e ela sabe-o tão bem. Era pequena quando fizeram o diagnóstico à avó, menos pequena quando todos a perdemos, e agora é enorme, apesar dos seus 1,54 metros. Ela está feliz, abana a cabeça e diz-se mais leve. Eu fico feliz e digo-me mais leve.


O meu discurso dos Oscars

Era nisso mesmo que eu estava a pensar agora: o meu discurso dos Oscars.
Por acaso, acho que toda a gente já formulou um, mentalmente. Mesmo aqueles gajos que vão aos Oscars e até recebem o piaçaba amarelo, e depois vão para lá gaguejar e lacrimIjar e não sei quê, vocês não acreditem naquele show off, naquele trailer, naquele blooper. Os gajos treinaram tudo, andaram que meses a falar alto no cagadócio, a ensaiar as lágrimas, as hesitações, o momento em que erguem o coiso, armados em estátua da liberdade, o gargalhedo e os tropeções (não vou falar na Jennifer Lawrence, senão ainda alguém me aponta a unha da inveja e eu faço aqui uma birra digna de registo notarial) e também as gaffes e outros enganos.  
Eu nunca vou ser famosa, principalmente porque não quero. Neste momento, para alguém atingir o estrelato em alguma área, terá que, basicamente, matar os vizinhos todos à facada e depois mandar vir a CMTV. Mesmo assim, para além da trabalheira que dá, são ali duas horas mal contadas — aquilo que os americanos chamam os quinze minutos de fama de cada um —, para amargar com uma pena de oito anos às riscas (nunca percebi essa do sol aos quadradinhos diante de janelas com grades paralelas e verticais).
No entanto, tenho o meu discurso preparado, djast in queize, o mesmíssimo que, se não servir para o púlpito ao qual nunca penso subir, servirá que nem uma luva cirúrgica aos meus últimos momentos nesta zona: 

Agradeço-me a mim, e ao meu talento, que, pese embora nunca ter existido, eu, talentosamente, convenci todos da sua existência.

29/08/2015

A desblogança

Olhem, aceitei.
Foi uma luta do genital, convites para cá —, ai não sei, aceitar será blogger da minha parte? —, insistências para lá —, não tenho a certeza, pois tenho uma imagem a defender —, pressões psicológicas —, meu Deus, meu Deus, eu não tenho vida para isto —, alguma chantagem —, ai que me morro! —, noites sem dormir —, e tema? Eu não tenho tema! Socorro, mamã! —, ainda uma tentativa de suborno — a malta paga-te o teu peso em ouro (e eu vai de comer como uma lontra semanas a fio), ou então com amostras de amaciador para a roupa, marca Lix, aquele luxo —, ainda uma tentativa de extorsão não digo de quem, mas que resultou muito mal —, Estás aqui, estás a ir de carrinho, she said? —, finalmente um Aceitas ou vou atrás de ti e da tua família, e a primeira a ser silenciada és tu, foi, efectivamente, o que me dissipou as dúvidas todas e originou aquele meu sensualíssimo hastear da bandeira branca, levando-nos ao acordo de cavalheiras, para a participação no Desblogue d'Elite de Blue, my name is Blue, Linda Blue.

Menti. Finalmente, menti neste blog. Ahhh, mas foi uma libertação.

Vamos voltar ao registo sério a que todos, eu incluída, já nos habituámos: môres, eu vou escrever no Desblogue. Não sei se estais a acompanhar o meu excitamento. No entanto, sinto-me como o ratinho do bungee jumping, e cada ida das minhas ao Desblogue será uma descida à taça da água do gato, em que existe aquela mesma possibilidade de desacertar o alvo e kaput com a ratinha (mau, mau). Porque existe uma possibilidade (em várias, não sei quantas, mas é uma possibilidade a atender — alô, possibilidade, fala a Blue, em que posso ser útil?) de as coisas correrem mal para mim e a desblogança ser o meu esbardalhanço blogobólico (mais ainda do que no dia-a-dia deste meu buraco). Olhem, cabe-me a mim esforçar-me para vos agradar, e a vocês esforçarem-se não sei muito bem para o quê. É um esforço conjunto, como dizem os senhores do governo da república.


Beijo à Filipa, do Dúvidas Cor-de-Rosa, com um obrigada cheio de duplos sentidos (lá estou eu na mentira deslavada, isto do estrelato está a tornar-me uma pessoa diferente) e seja o que o diabo quiser. 

Aos trabalhos, e quem viver verá que não foi em vão.

A importância de se chamar Alfredo

Acordei a pensar numa gaffe que cometi há uns tempos, porque eu sou assim.
Mas, por acaso, acho que esta, toda a gente cometia. Vejam lá e dêem-me uma opinião:

Era uma vez um homem chamado Alfredo, que era feio, mas feio de doer a vista, a cabeça, os dentes, os calos, dores, dores, dores, até ao âmago, ao núcleo, ao centro, ao olho, estão a ver? Sabem aquela pessoa que uma pessoa pensa assim: Olha, este é o homem mais feio que eu conheço? O Alfredo é assim, mas ainda pior.
E teve o Alfredo este diálogo comigo, em tudo semelhante a uma charada, que eu só não matei porque ia matando o Alfredo de desilusão:
- Sabes aquele boneco que dava na televisão, o Alf?
- Sei.

- Os meus amigos chamam-me Alf.
[E pensa a pessoa assim: Estás bem servido de amigos, Alf.]
- Sabes por que é que os meus amigos me chamam Alf?
[Vá, digam lá: o que é que vocês diziam? Porque tu és a cópia do Robert Redford, mas após entalamento da cabeça nas portas do metro, queres ver?]
Diz a parva, com a cara de entusiasmo mais estanhada, à laia de sou tão esperta:

- Porque tu és igualzinho ao Alf!?
Então não é que a resposta correcta era...
- Não [semi-beicinho]... Então não se está mesmo a ver?
A cara da parva a desfazer-se, de yey para pânico.
- É porque me chamo Alfredo...


Patife querido

Acontece-nos, muitas vezes, ficarmos sozinhos — ele, porque é o único rapaz, eu, porque sou eu. Temos um tempo só nosso e aproveitamo-lo inteiro. Vamos dar uma volta pelo bairro, comer um gelado, falar, ou nada, que de pouco ou desse nada precisamos para sermos inteiramente felizes aos bocados. Ele leva um pacote de amendoins com chocolate — estamos tão viciados em amendoins, somos tão primatas — e come pelo caminho. Penso que o povo diz que comer na rua atrasa o casamento e isso parece-me cómico. Ele estende-me um castanho, da cor dos olhos dele, e pergunta:
- Queres um?
Dá-me aquele, e depois outro, castanho também. 
Dois olhos lindos.
Tira um azul e dá-mo, como se me entregasse um tesouro, que ele sabe que para mim é.
- Toma o azul.
O azul sabe-me a azul, e pegamos esta com outra conversa, encerejados. 
Há uma fronha da predilecção dele. É melhor do que as outras, mais macia, mais velha, mais surrada.
- Se algum dia ma deitasses fora, eu partia tudo e depois arranjava outra.
E diz aquilo com os olhos a sorrirem para os meus.
- Outra quê? Outra fronha, ou outra mãe?
Entrega-me o sorriso todo e diz:
- Ambas.
Patife, querido patife.


28/08/2015

Chico-smart não me tem em grande conta # 8


Não posso ter uma conversa séria. Não posso gabar-me de não precisar de óculos. Para chico, os meus mails têm que ser pontilhados de ordinareiras ou intimidades. E faz-lhe sentido que eu veja muito bem, sem óvulo.


I believe I can fly

Dia da partida para férias, últimas limpezas (casas-de-banho, cozinha), ecoponto despejado, lixo orgânico no contentor do prédio, água da esfregona despejada, última roupa recolhida, últimos sacos e sacolas (não esquecer as molas da roupa!, o que veio, mais uma vez, a revelar-se muito útil), portas das varandas fechadas pelos trincos, despejo do frigorífico do que passa da validade entretanto, despejo do despenseiro do que pode apodrecer entretanto...
- As batatas, deito fora?
- Não, elas aguentam dez dias.
Uma beleza. Aguentaram dez dias. E fizeram-se ninhos de moscas pequeninas, daquelas que são primas das moscas da fruta, mais conhecidas por Drosophila. Centenas, dentro do armário, ao longo da cozinha e, na loucura, pela casa fora, mesmo depois de deitadas fora as batatas que aguentaram dez dias, firmes e talvez não hirtas.

~

Muitas moscas. Amorosas, iguaizinhas às moscas a sério, mas em ponto muito pequenino. Small is beautiful e eu também não consigo tirar a vida a nada. O drama. Uma família inteira — na qual, naquele campo, não me incluí — a matar moscas. Moscas mortas pelas paredes. Moscas mortas nos armários da cozinha. Moscas mortas. E eu a fingir que não as via. Elas pousadas na alva mobília da cozinha, e eu até evitava abrir a boca. Antes sair a asneira. Tão queridas. Tão querida.

~

Comprei uns figos pequeninos, doces como mel. Deixei o saco em cima do balcão da cozinha e fui à minha vidinha. E também dormir.
No dia seguinte, o saco continha o mosqueiro sobrevivo completo.
- Ataste o saco porquê?
- Porque, assim, elas morrem asfixiadas.
E eu podia lá aguentar a imagem das minhas mosquinhas a morrerem asfixiadas.

~

Havia um saco — aberto —, com figos pequeninos e muito doces, no chão de uma das varandas da minha casa. Nem uma mosquinha, para amostra.
- As moscas?
- Olha, voaram...



27/08/2015

The girl next door # 3

Eu coloco, não, eu deposito, não, eu meto o carro num lugar de garagem, que foi o que a permilagem e o genitagem me distribuíram, cujo tamanho só não é igual a zero porque o meu carro cabe lá dentro dos contornos. Porém, porque de um lado tenho uma coluna e, do outro, fica o lugar de um vizinho que também deve ter uma permilagem assim do calibre da minha, mas tem um carrão mesmo à gajo, faço a manobra toda, pelos corredores claustrofóbicos e com mais curvas do que eu, de maneira a que o meu boi fique ali quieto, ao lado do gnu dele, mas que possamos, ele e eu, sair dos nossos bovídeos sem termos que fazer apneia, nem roçar os nossos corpos pelo animal do outro, limpando-lhes a pintura ou provocando-lhe algum risco com a braguilha das calças, nomeadamente se for ele no meu, que eu cá sou menos de braguilhas e, até ver, os vestidos não as usam. Assim, encosto o bicho o mais que posso à coluna, corro riscos de o riscar, e deixo-o ligeiramente chegado à frente, para que tenhamos mais abertura, um e outro — isto sou eu a falar de portas —, e também para que a porta da frente do meu não pique a pintura do dele, que aquilo parece mesmo um corno, tem ali um verticezinho que é um chifre da tourada à espanhola, todo em pontas, olé, mal me descuido e lá o vizinho tem uma cornada na pintura. Não se faz, e eu preocupo-me, capaz até de me tirar o sono, pois tudo mo tira, cambada de gatunos. Mas não posso fazer nada quanto à porta de trás e aos ímpetos da juventude dos meus passageiros. O boizão do vizinho tem vindo, ao longo dos tempos, a sofrer uma, duas, dez, talvez vinte marradas da porta de trás do meu garraio, o que, pese embora o ter tornado um charmoso modelo personalizado, há gostos para tudo, e o dono pode não gostar desses gostos. 
Por um lado, achei cavalheiresco que não me tenha deixado um recado explícito no para-brisas. Mas, por outro, quando vi os cartões com que ele forrou a lateral e a roda (wtf? Eu nunca lhe rocei a roda, olha a intimidade!), fiquei um tudo-nada apreensiva, a pensar se o cartão maior não conterá uma mensagem subliminar. 


Acham que é seguro ir lá escrever por baixo qual é o meu sonho?

Cada vez que me falta um velho

Vou ali e cumpro o meu serviço religioso, religiosamente, em jeito de voluntariado a que me obrigo por comandos do coração. Já tenho a experiência do outro lugar, em que me liguei tanto aos meus velhinhos que, agora, prefiro nem sequer chegar a saber nomes, nem vidas, nem sonhos, que ainda têm. Trai-me o instinto, não sei qual deles, quando entro e me falta um velho. Tenho medo que me morra um deles e a paisagem mude. Sou um animal de hábitos, gosto das coisas todas no seu lugar, porque sou também muito desarrumada, e preciso da confiança de saber onde posso encontrar o que nem preciso de procurar. Sei, porque já me informei para me sossegar os sustos, que eles saem dali por diversas razões que não só a eterna, mas, dada a fragilidade e a proximidade que todos parecem ter com o Além, quero sabê-los aquém. Não preciso de ver um cadeirão vazio para sentir uma falta imensa, que me invade e me castiga, inocente que estou. Há cadeirões vazios por tantos motivos bons — um passeio no jardim, umas férias em casa, uma aula de ginástica —, que não faz sentido que me consuma com aquele aparente vazio evidente. No entanto, não sei reprimir o susto. Noto a falta da que tem cem anos e, impiedoso, chega-me o pensamento "Tinha...". Debato-me comigo e, a custo, venço a batalha. "Oh, era tão antipática. E queria morrer, e tudo. E tinha cem anos. E..."
- Dona Mariazinha, o que é feito da cunhada da senhora? Há uns dias que não a vejo...
O olhar demente, responde-me:
- Olhe, não tem vindo, não...
Estou a ser torturada, enquanto arranjo as mãos da minha mãe. Vejo passar uma funcionária.
- Diga-me, por favor, o que é feito daquela senhora que tem cem anos.
- Ah... acho que foi para o hospital.
Então, é hora de me ir embora. Estou sempre a ir-me embora dali, não sei se também por algum instinto que me trai. Também sei que, um dia, deixarei de ir e de ter que ir, e quero adiá-lo.
Reparo que há um velho novo, que é como quem diz, que mora ali há pouco.
- Menina, pode-me ajudar aqui com o telemóvel?
Já devia saber que não devemos contrariar o destino, que esse é o que ganha todas as batalhas, e, no final, a guerra mais dura. A sala está cheia de gente, a equipa está toda ali, mas é a mim que o senhor chama. Não me chames, Senhor. Não os chames.
- Desbloqueia-se assim. 
- O que são estes números todos?
- Isso é a agenda do senhor, são todas as pessoas para quem pode telefonar.
- Pode encontrar-me amor?
Às vezes, gostava de ter filmagens dos meus bocados. Com o telemóvel dele na mão, fiquei toda parva e agarrada ao chão pelos pés. Não me deixam sair dali e eu tenho que ir. Mas digo-lhe baixinho, para mais ninguém ouvir um segredo que passa a ser nosso:
- Posso procurar, a ver se encontro. Isso é o que todos queremos. Uns encontram, outros levam mais tempo.
Corro-lhe a agenda, Adelino, Albano, Américo — só nomes de outros velhos —, Amor. Fixo a barra em Amor.
- O senhor carregue no botão verde, e já pode falar com o seu amor.
No regresso, outro acidente na segunda circular, que me obriga ao desvio por outro caminho. Um carro todo morrido, o dos bombeiros e a ambulância do INEM muito vividos. E trai-me outro instinto qualquer, quando tento sossegar-me, esvaziando outro cadeirão por iniciativa minha,
Pode ser que fosse um velho.


26/08/2015

Divertida-mente

Porque respeito solenemente a criança que carrego dentro de mim desde que nasci, de uma forma não gravídea, mas igualmente subcutânea, intramuscular e até intravenosa, fui ver Divertida-mente.
Podia falar durante horas sobre o filme, mesmo sem spoilar a coisa. Mas não o faço, porque isto não é o da Joana, seja lá o que isso signifique, mas, essencialmente, porque não posso publicar dois posts enormes no mesmo dia, por uma questão de princípios e início de conversa.
Para começo dela, este filme é, de todos os infantis, senão o melhor, um dos que já figura no meu Top 5 (não tenho, mas apeteceu-me dizer). Em duas linhas (a ver se eu consigo), a acção passa-se no "quartel general", que é a mente de cada um de nós — no caso, a de uma menina com uns 10 anos —, onde se encontram as personagens principais, que são a Alegria, a Tristeza, a Repulsa, o Raiva e o Medo. Fiquei absolutamente rendida aos encantos da Alegria: brilhante, eufórica, enérgica, que, para cúmulo, tem o cabelo e os olhos azuis. Apesar de a Tristeza ser toda azul (o que se compreende), é também demasiado parecida com uma figura com quem trabalhei em tempos, o que impediu que me desse aquele piquinho de ternura que o boneco reclamava.


Tal como todos os filmes de animação, este contém igualmente uma mensagem para adultos, que eu não só entendi (ou acho eu que entendi, mas também, dou de barato as minhas conclusões, porque sou conhecida por "aquela que vê o filme alternativo"), como também é uma espécie de mantra muito meu, e que é: por mais divertida e alegre que seja a tua vida, tens que viver a tristeza, e aceitá-la como um estádio normal da vida, por épocas, para que possas verdadeiramente saborear a alegria. 
Ó pá, concordo (comigo mesma, portanto).


Das minhas associações de ideias # 3


Numa Padaria Portuguesa

Na estação de Entrecampos



Avenida de Roma, meu amor # 2

Tinha acabado de entrar na Confeitaria Lisboa, só tive tempo de alcançar o balcão para pedir o iogurte — meu actual amor de perdição —, e surge do nada uma senhora, aos gritos, completamente fora de si, com um pequeno cesto na mão, onde se encontrava um bolo, que colocou, às pressas, como se o cesto a queimasse, em cima de um dos balcões, e, perante o espanto geral, bradou:

- Eu vou chamar a ASAE, porque houve uma pessoa que respirou para cima do meu bolo!

A funcionária, impávida, recolheu o bolo e acompanhou a senhora na escolha de outro, enquanto ela insistia na loucura:

- Na minha casa, quem faz os bolos são os empregados.

Uma rápida observação da figura, ainda que estivesse calada, denunciava a impossibilidade da existência de um único empregado, quanto mais no plural. Desgrenhada, mal vestida (collants opacos em Agosto, com sandálias...), deslocada.

~

A minha avenida de Roma enlouqueceu um pouco, desde que a deixei. Não sei se foi a minha ausência que a fez perder o tino. Agora volto ali e vejo-a desmemoriada de si. Sentada na esplanada, num relance de norte a sul, revejo-a com menos trinta anos, fervilhante e cheia de movida.  Eu própria ensandeci um bocadinho, porque a vejo assim e não a vejo desta maneira. Sei-lhe as lojas todas que já lá estavam, e as que já lá faltam. Só naquele quarteirão, sem fazer grande esforço de memória, os sobreviventes Paiva joalheiros, a Sinfonia, o Frutalmeidas, a sapataria Garcia, a China, a Romasport, a Suprema. Faltam a Vadeca, a Mami, a Exótica, o Tutti Mundi, a Taiuka.
Mais adiante, sobrevive a Tevel e, quase logicamente, o Hotel Roma, de ponto de passagem obrigatório para algum turismo sénior em que se tornou. Foram-se o Phillipe Martin, das nossas romarias a pé, das roupas garridas que nos livravam de termos que nos meter no metro para a Baixa rumo aos Porfírios. Foi-se a Benetton, a primeira Benetton de Portugal, que nos fazia as delícias e o suplício dos nossos pais — cara, e sem qualidade que justificasse o entusiasmo —, e tinha as funcionárias mais antipáticas de toda a Lisboa, incluindo toda a zona da Grande Lisboa. E talvez do mundo, ou, pelo menos, do nosso.
A Lanidor era um cochicho pequeno, que vendia lãs. Daí o nome.
A Barata era uma livraria-papelaria do tamanho do actual corredor da entrada, e ao balcão ficavam o senhor Barata e dois funcionários detentores da maior simpatia de toda a avenida, um tímido e o outro esfusiante. E ali encontravam-se todos, sem excepção, os livros da escola, e todo, sem excepção, o material escolar, por mais rebuscado dos confins da imaginação da professora que ele fosse.
Foi-se a Maçã, foi-se a Chez Elle, foi-se a Naia-Cancan-Primaz, foi-se a Gala, foi-se o Tecidos Roma, foi-se a primeira croissanteria de Lisboa — onde provei o meu primeiro croissant de chocolate e, desde esse dia, estreitei seriamente as margens para dúvidas quanto à possibilidade da existência de Deus —, foi-se o bric-à-brac dos velhotes, quase à esquina da João XXI, que só vendiam patarecos ultrapassados, e onde cheirava a pó, mas era tudo precioso. Já só eles vendiam tachos e panelas em miniatura, carrinhos de lata e bonecas cujos braços e pernas eram presos por elásticos (que, um dia, apodreciam), foi-se o stand da Cimca, foi-se o cinema Roma, foi-se o Fil à Fil. Sobrevive a Bertrand, sobrevive a Ibiza (já na João XXI), sobrevive a Brancal, foi-se a sapataria Giselle e a minha pastelaria Roma, que transformaram num Mc Donald's. 
Foi-se a Piscina do Areeiro onde aprendi a nadar, à força e teima de uma professora baixa e rechonchuda, generalíssima, de pau na mão, para onde entrei ainda nem tinha pé na zona de pé, muita água com cloro bebi eu nesta vida, deve ser por isso que sou assim. 
Desapareceram algumas figuras típicas, umas porque foram à sua vida, outras porque foram à vida. Havia o drogado, bêbado, sem abrigo, que percorria a avenida de lés a lés, todos os dias, e que dizia o mito urbano ser de boas famílias, uma desgraça, como se a desgraça pudesse ser maior em função da graça. Havia o Pai do Paquito, que estacionava o Mercedes à porta da Mexicana (em cima do passeio, mesmo), capachinho até à testa, e retirava da bagageira, com grande pompa e circunstância, uma mala de cromados, onde transportava todos os jornais desportivos do dia e da semana. E o Conde da Borralha, sempre gentil, ultra-educado, Gostaria tanto de a conhecer, menina. Pode dar-me essa honra?, não querem lá ver que hoje eu podia ser condessa, e logo da Borralha? Havia os Meninos da Suprema, que andavam quase todos no meu liceu, eram tão bad, são tão casados, e tão pais, e sei lá se não já tão avôzinhos da Heidi.
Descobri isto, enquanto procurava mais coisas que pudessem avivar-me as memórias, mas não retirei praticamente nada, porque as minhas me pertencem e estão cravadas no coração. 
Ainda a vejo assim, fervilhante e cheia de movida, apesar de estar um pouco louca, desgrenhada, desfasada da realidade e mal vestida. Tudo isso também eu estou, exceptuando o vestir mal — ensinou-me ela que tudo menos isso.
A avenida de Roma sou eu.


25/08/2015

Numa escala de zero a dez, quão estranho é o teu gato? # 3

Sono de Mel Maria

É verdade que existe uma monocromaticidade (neologismos, é a toda a hora. Eu dilato o dicionário) de amarelos e azuis às riscas. Talvez se note muito que fui eu que escolhi a coberta, os toalhões de banho, os lençóis de cama, a mala de senhora que está em cima da cama, o cesto da roupa passada, e, enfim, a gata. Isto sim, é o verdadeiro matchy matchy.
Sinto o amor por azul, e a amizade por amarelo, mais conhecido por cor dos malucos. 
Mas Mel Maria bate-me aos pontos.


É tão pouco blogger da minha parte # 2 — Parte II

Sinto quase profundamente uma quase obrigação, quase moral, de vos pôr a par das démarches que tenho proporcionado ao meu vestido verde, com vista à sua recuperação total, isto é, à limpeza das nódoas de gordura que ele sofreu a semana passada. Recapitulando: conforme estais lembrados — e, se não estais, pronto —, eu apliquei-lhe golpes baixos de óleo, submergindo-o, que, por ter teimado em misturar na minha poção um nico de água, o cravejou de mais medalhas de mau comportamento e foi horrível quando o emergi.
Depois usei a táctica da farinha de milho, e ele poderia ter ficado bom como o milho ou o trigo, ou qualquer outro cereal panificável, não fora alguma coisa ter corrido mal e terem saído todas as nódoas, menos uma — enorme, gigantesca, frontal, acintosa. Além disso, o meu vestido verde passou a exalar um odor, como hei-de explicar? Imaginem que o metia no exaustor, a substituir o filtro, e punha-me a fritar batatas para um regimento de sapadores (sim, podiam ser esses de Setúbal, que calendarizam as tarefas com um comovente rigor). E que, finalizada a fritura, escorria o óleo sobejante no vestidinho de per si. E ainda o passava por farinha. Pronto, o cheiro é assim parecido, mas em mau. Não sei o que me deu para não o ter mergulhado antes em óleo Johnson's. Sempre cheira a bebé. A bebé gorduroso, é certo, mas a bebé na mesma. Assim, fiquei capaz de passar por uma obra com meu vestido verde vestido, só para tirar a limpo (metaforicamente falando) se os trolhas me gritavam "Eh, carapau!", e para poder responder "Mais pastel de bacalhau, amigo...".
Hoje demos mais um passo em frente nesta relação, o meu vestido verde e eu. Isto não é o que parece, mas é que não é mesmo, porque ninguém me paga para isto. Mesmo. Mas lavei-o com sabão Clarim, e depois esfreguei-o com Clarim Gel que, pelos vistos, veio substituir o Supergel, segundo professou o rapaz do supermercado, enquanto encolhia os ombros em sinal de "A sério que não sabias isto? Onde é que deixaste a nave?". Só me saem meninos na rifa.
O Clarim Gel tresanda a gasolina. Estou tão high e até posso dizer que contente com a aventura que foi ter esfregado o meu vestido verde numa mistura explosiva (literalmente) de tudo o que acaba em ina (gasolina, benzina, terbentina, uhhu!), que estava capaz de o vestir assim mesmo, todo molhado, e ir para a rua, aguardar que um bom senhor das obras me gritasse "Eh, labareda!". Estou inflamável (das vias respiratórias).



I protest!

Nota mental para fazer reclamação fundamentada para o município lisboeta: cimentai os entrefolhos da calçada portuguesa, a bem dos meus tornozelos, pode ser? Uma pessoa humana aventura-se pelos passeios desta cidade a dar uma de pegada ecológica, com uns saltos vertiginosos (de calças, hoje de calças, está para cair um santinho do altar!), com uma compensação rígida à frente, vai à mercearia aviar-se de víveres, vá que o Avelino está de férias, mas, ainda assim, é confrontada com fenómenos do Entroncamento em Lisboa,


mal refeita, que é como quem diz rarefeita do susto, ainda tem que carregar com as compras todas no mesmo ombro...
Nota mental para fazer reclamação fundamentada para o iluminado governo da república que legislou a lei seca dos sacos, que nos impõe misturar, tudo no mesmo, as latas do grão, as uvas, os congelados, o champô, o detergente e o papel higiénico (já cá faltava a questão anal, isto ia tão bem encaminhado...), e depois nos põe a carregar, tudo no mesmo ombro, aquela balhana toda. Ando para ficar com uma curvatura no ombro direito que não possuo no esquerdo, tudo djast bicóse, e eu sou muito amante depravada das simetrias. Já sei que a solução é passar a carregar tudo à esquerda, mas o que eu queria mesmo era que a cabeça pensante de onde saiu este flash se pusesse a caminho das compras todos os dias, e lhe arrefinfassem com pesos que chegam a dez quilos no lombo, e se acavalasse em high heels (também já sei que a opção é minha, mas puxa, penico, posso ou não ser livre arbitriada e, basicamente, não me estoirar fisicamente, a não ser naquilo que eu escolha para o fazer eficaz e prazerosamente?).
Uma pessoa desce as ruas, de lá até aqui, que ainda são uns duzentos metros a andar bem, ou setecentos nestas condições precárias, a sentir-se uma mula de carga, em treinos mentais preparativos para o coice reclamante — apoiada nos quartos fronteiros (por oposição a traseiros, inventei agora), zás, com os traseiros rectos (chiu) à edilidade e à governança —, e, em desespero de (rebelde sem) causa, calcorreando pelas estradas, que sempre são mais lisinhas do que os passeios, porque, no fundo, mais vale arriscar a vida do que a integridade física ao nível dos tornozelos. 
Ao que isto chegou.

24/08/2015

I'd love to be in trouble with you

É só canseiras

Este fim-de-semana voltei ao ginásio, após pausa de duas semanas que, na realidade, foram três. Mas o femedo mente sempre nestas minudências — diz que pesa menos cinco quilos do que pesa na realidade (eu? 59, para vocês, mas a p. da balança encravou ali nos 60 e dali não sai, dali ninguém a tira), diz que fuma menos cigarros do que fuma efectivamente (eu? não fumo, mas é um dia fartar-me e deixo de deixar de fumar de vez), diz que usa uma copa acima do que a que a natureza lhe deu (eu? andei anos com a copa errada e num desconforto que até rangia os dentes contra a Caresse Crosby — claro que googlei, olha a fedúncia), diz que tem 39 anos até uma hora antes de fazer 40 (eu? há meses que digo 84, que diacho!) e etecetera. 
Tudo estava no seu lugar, exceptuando eu, que acho que engordei uns bons três quilos, não sei como. Ah, já sei como: comendo. 
(Isto é tão pouco blogger da minha parte, agora a sério: não tinha começado tão bem, a dizer que tinha ido ao ginásio, e não sei quê?, mas não, já tinha que vir com a verdade nua e crua.)
Por falar nisso, não me falem em nua e crua, que me lembra logo do incómodo que senti ontem, ao sair do duche, com aquela tipa do vozeirão sentada mesmo ao meu lado enquanto me vestia, que ainda tive que lhe fazer cara de poucas amigas, do género nunca viste?
Novidades, só uma, que espero que seja passageira: um espécime de calções excessivamente curtos, uma perna (musculada xxl), tatuada 94,3 %, depilada 104 %o, barba cerrada à lumber (diz-se lamber), e urros à bicho. Cada elevação de alteres, um urro, cada descida de alteres, outro urro. Foi giro, para variar, por uma vez, fazer ginástica na jaula dos ursos.
O PT quer dar-me um treino personalizado, e eu digo-lhe que sim, porque sei que não será dado, será vendido. A ilusão de que é pelos meus belos olhos que ele se oferece para me tonificar dos pés à cabeça, já eu não tenho, sobretudo depois da tareia que ele me deu o mês passado e da qual ainda guardo mágoas. É o da Bunda, sim. 
As senhoras continuam a vestir-se para o treino de uma de duas formas: ou vestem tudo o que é trapos que tinham lá em casa — porque é para suar, porque ainda não têm a certeza se é para continuar, porque se estão realíssimamente nas tintas e nas lonas —, ou vão com os outfits que compraram para ir andar com as amigas, e usaram naquelas raras ocasiões em que, determinadas, se puseram em marchas pelos passeios da cidade, casacos de treino amarrados às cinturas, garrafinha de água para beber aquele litro e meio por dia, a acharem a outra em muito pior estado, mais flácida, mais larga, mais acabada, mas em que até aproveitavam para pôr a conversa em dia, e faziam as suas paragens, que aquilo de falar e andar ao mesmo tempo é uma estafadeira, e entre uma e outra, mais vale exercitar o músculo mais forte do corpo humano, que é a língua, e deixar lá as pernas e o rabo descansados. Um dia, uma desiste, porque chove, porque tem um casamento, porque lhe doem os pés da caminhada da semana passada, porque está mais pesada do que quando começou, e a parceira, triste, só e abandonada (gelada, gelada), inscreve-se num ginásio mesmo à porta de casa, que isso de andar cansa muito. 
À saída, apercebi-me que havia uma venda de vestidos, ali a dar sopa, e pronto. 
Eu sou aquela pessoa que vai ao ginásio e vem de lá com dois vestidos novos.
São um bocado à velha, mas eu fico linda com eles. Uma velha linda, mas, ainda assim, velha. Ou melhor, Linda.



Das minhas associações de ideias # 2

Tenho sono.
Os vizinhos de cima discutem até altas horas da madrugada. Ouço estrondos lá no inferno, enquanto ele grita desalmadamente, o que me leva a crer que está para breve o dia em que me têm à porta e à perna, ou que meto pés ao caminho e a Porca torce o rabo (a um deles, ou, se estiver bem disposta, aos dois). Capaz até de chamar as autoridades, que é sempre de bom tom invadir o cortiço dos outros escoltada, não venham de lá com aquela treta da colher e de que entre marido e mulher e eu ai, desculpe, não sabia que eram marido e mulher, pensei que fossem cão e gato, Bobi e Tareco, esta minha cabeça já não é o que era.
Por isso, acho que hoje, ao contrário do que é costume, não me vai sair nada de superiormente inteligente, porque só me passam almofadas e melodiazinhas de caixa de música pelo neurónio sobrevivo.
Então, acordei e pensei no meu spray desodorizante para a casa-de-banho.
Eu costumo comprar um que diz que cheira a brisa marítima. Não é bem ao que fica a cheirar, mas vá que é aproximado, se imaginarmos que é possível existir um qualquer mar que se espraie numa ETAR. 
Acontece que a chafarica do tio Mimiro, ao cabo de largos anos de receber o equivalente a um salário na minha compra mensal online, e cansados que hão-de estar por eu nunca escolher aquilo que eles chamam preferências de substituição (estava bem arranjada, em 50 ou 60 artigos, decidir quais haviam de me trazer, caso não tivessem os meus no armazém. Oh, pá, não têm, vão à pesca, que a minha vida não é só isto, e a seguir pediam-me as preferências de substituição das substituições), este mês, por sua excelsa auto-recriação, substituíram o aroma de meu spray do cagadócio por um que responde pelo nome de pomegranate. Um susto. Eu, muito mais gálica do que anglo-saxónica, faço uma tradução livre, leve e loira, e leio batata-granada. Mas acalmei-me e usei-o, tendo ficado com a casa-de-banho a cheirar não a romãs (agora a sério, fabricantes de aromas pós-defecação, o que vos ocorreu quando criaram o de romã? Romã? Eu pergunto mais devagarinho: romã? Pois. E depois a maluca sou eu), mas a sumos de morango em pó, ou uma porra muito corantes-e-conservantes, muito anos 70's. 
E não consigo deixar de fazer a feliz associação bomba com bomba, de cada vez que largo a granate do sprayzinho a soprar o ar...

23/08/2015

Chico-smart não me tem em grande conta # 7


Conversa de whatsapp, ainda em férias, em que tentei responder ao meu interlocutor "Vou e venho da praia", e, só porque me enganei em venho, e escrevi venj, o tiro-liro sugeriu-me... genital. Ou seja, Vou e genital, segundo ele.



Visão toldada

 

A capa da revista Visão desta semana sidera-me. 
Eu gosto muito de BD. Gosto de bonecos, enfim. Gosto de desenho, e de desenhos animados.
Mas não sou capaz de entender esta capa.
Assim, de repente, parecem-me duas chefes tribais, apanhadas em fascínio diante de um tablet, onde aparecem dois senhores idosos. Ao fundo, a Ilha do Sal. Ou a Praia da Falésia, de madrugada.
Afinal, não. São as duas mulheres dos dois candidatos a Primeiro. Turbante em Laura Coelho, por questões de uma lógica inexplicável — a alguém chocaria que fosse representada com o seu cabelo, sem o qual se encontra temporariamente? —, já que Laura Coelho não usa lenços para tapar a cabeça sem cabelo, quanto mais um turbante africano, cabelo de Jasmine em Fernanda Costa, que o tem completamente liso. E o tempo que eu levei a perceber por que é que, apesar de uma ser goesa e a outra europeia, e terem tons de pele em tudo semelhantes, uma estava pintada de castanho/ocre e a outra de cor-de-rosa/lilás? Ah, as cores dos partidos... ah, se o marido de uma delas fosse candidato pelo CDS...
Também não alcanço a mais-valia de se chapar numa capa de revista de grande informação que o marido trata-a por fofinha. A mim soa-me inadequado e, por isso, até tendencioso. Por muito menos, nunca mais consegui olhar para determinado líder sem pensar imediatamente: cherne. Oh pá, fofinha

E não é que, para escrever este coiso, como me vi na vicissitude de consultar o site da Visão, ainda me siderei mais um niquinho?
Que raio da porra de informação é esta?

4 - Tem dois filhos - Pedro, de 25, e Catarina, de 22 anos - e um beagle chamado Rufus [o sublinhado é meu, que isso ainda consigo fazer.]

Caneco. Vou mas é para o ginásio, que isto ainda me tolda mas é o raciocínio, já não é só a visão.
Até logo, se Deus quiser.
Hah, quer.


22/08/2015

Mas ninguém cala este homem? # 3

Por acaso, vem mesmo a propósito. Tinha aqui alinhavado um post há umas semanas, sobre esta questão do sms. Ora, aqui está a prova em como isto é verdade.

Para os outros, não sei, mas, para mim, sms é masculino. Todos os nomes de letras são masculinos. Nós dizemos O ÉSSE. O ÉME. Uma sigla composta por três letras, faz todo o sentido que seja considerada no masculino. Mas não é isso que lhe determina o género, na minha cabeça obstinada, que é para não lhe chamar teimosa, casmurra, ou outra coisa qualquer terminada em urra. Também não dizemos o RTP, nem a PSD. O que, verdadeiramente, determina o género à sigla sms, é o substantivo que a compõe: tanto em short message service, como em short message system (parece que a doutrina se divide neste S), o substantivo  (serviço ou sistema) é masculino na língua portuguesa. Assim como na RTP ([emissora — substantivo feminino — de] rádio — substantivo de dois géneros; televisão — substantivo feminino) e no PSD (partido — substantivo masculino), a masculinidade é inerente à sigla sms, precisamente pela mesma ordem de raciocínio. 

Portanto, ao contrário do que defende JAS, que ninguém cala, semana após semana, eu não tenho dúvidas (e raramente me engano) de que sms se diz O sms. No entanto, reconheço que, num único ponto, num micro-pontinho, me assemelho a ele: a mim também ninguém me cala. Só que eu tenho razão. 

Revista Tabu, Jornal Sol, esta semana, pp. 72

Mulherzinhas e Homenzinho

Aterramos na areia, nós os dois e as Mulherzinhas.

Eu tinha medo de ter uma quarta menina, por isso mesmo: uma delas morre e a minha vida tem sido pautada por coincidências absurdas demais para que eu possa dar-me ao luxo de arriscar mais uma. Ainda assim, adoeceu-me uma em tempos, exactamente a terceira, e foi nessa altura que eu tive medo.

Elas, muito mulherzinhas, levam os lanches nos sacos: bolachas de arroz, barras de cereais, tâmaras secas, maçãs. Tudo light e saudável. Levam também amendoins.
Nós, porque somos iguais um ao outro, não levamos nada. Uma garrafa de água, de 600 mililitros, para os dois. E moedas contadas, que nos darão para pagar o parque de estacionamento, e uma emergência, que não sabemos qual poderá ser. Pretendemos atravessar a hora do lanche sem sabermos muito bem como, sem comer. O que se vende nesta praia — gelados moles e batatas fritas — não nos agrada e não queremos ir ao bar, onde tudo o que lá se vende nos levaria as moedas destinadas ao parque de estacionamento. E à tal emergência.
Adoro os olhos dele. São castanhos, e estonteantemente bonitos. Deitamos as nossas toalhas lado a lado, enquanto as Mulherzinhas se estendem do lado de lá. Eu pego num livro, mas é tão mais forte do que eu a ânsia de conversar e escrever, que o que leio não me prende. Tenho-o à cabeceira há quase um ano, e não passo da página 30. Já o devia ter arrumado.
As Mulherzinhas lancham os seus lanchinhos e nós ouvimo-nos um ao outro. Elas insistem que ele é hiperactivo, mas os quinze anos dele, daqui a dias, são os meus quinze anos — cheios de viço. Temos a mesma febre, o mesmo brilho, a mesma tormenta boa. E eu nunca fui hiperactiva, mas o rótulo cola-se com uma facilidade só não assustadora porque teimamos em ser felizes. Elas pegam em livros e revistas de mulheres, mulherzinhas que são, ele fala ininterruptamente com a única pessoa que o ouve. Vamos juntos ao mar, entramos na mesma onda e esfusiamos na mesma crista. 
Não temos nada para comer, a não ser uma razoável sobra de amendoins do lanche delas. Alisamos a minha toalha e ele começa a descascar, um a um, e a oferecer-mos.
- Tu não comes?
- Como, mas come também.
- Eu posso descascar os meus.
- Descasco eu.
Parecemos dois macacos. É a minha reencarnação ideal: macaca. Uma vida de galho em galho, bananas, amendoins e a catar os filhos. Não conheço felicidade mais absoluta do que a da vida de uma macaca-mãe. Fazemos um piquenique porco, porque as casquinhas mais leves voam para a areia.
- Isto voa tudo.
- Mas é biodegradável, e as gaivotas também comem.
- E ainda temos ali a água.

Foi um lanche farto e rico, aquele nosso. 



Imaginemos que eu até queria candidatar-me ao lugar

Mas depois esbarrava-me com o nome da profissão. Sem saber de qual se trata, impossível responder ao anúncio. 


(Dá para enviar um CV cravejadinho de erros, ou é chato?)

Diz-me o que sonhas, dir-te-ei quem és

Atirei duas partes de biquíni para dentro da sanita, para as lavar. 
[Nos sonhos nada faz muita lógica, chiu.]
Era a parte de baixo de um e a parte de cima de outro. 
[É muito raro usar partes desirmanadas de biquínis. Nunca gostei dessa moda, e cada vez menos a entendo. Sou uma esteta (não esquecer o es), ou uma anta, mas nem sequer consigo perceber as peças da Desigual *.]
A água da sanita estava limpa.
[Valha-nos, ao menos, isso.]
Puxei o autoclismo, sem querer.
[É um reflexo condicionado, como o do cão do Pavlov: não posso olhar para aquela rampinha de porcelana mais piscininha de mergulho, que puxo o autoclismo.]
A minha aflição desdobrou-se: por um lado, porque fiquei sem o equivalente a um biquíni inteiro; por outro, porque não sabia [e ainda não sei] qual o biquíni que tinha ficado incompleto, por não me lembrar qual a parte de baixo que tinha descarregado. 

Quando voltar a sonhar, volto a vir cá contar o que foi. Isto é, se for alguma coisa de confessável, ainda que indecifrável. Mesmo que meta sanitas. Eu sonho amiúde com sanitas. Freud era um menino, ao pé disto. 
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* sorry, guys, é tudo horrível. Baralha-me a assimetria, a desproporção, o caos, que quereis?

21/08/2015

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 11

Na senda da rota do iogurte, que proclamei para este Verão, ando perto de já ter experimentado todos os frozen desta cidade, e também os que não são gelados (o da Confeitaria Lisboa é iogurte biológico — pois. Não sei explicar, mas é o que lá diz —, mas não é gelado), hoje ataquei o My Iced, lá para Alvalade. De todos os que já provei (Smoöy, IOGU, Llaollao, Yogurice), é o mais caro, e não necessariamente o melhor. Fiquei logo irritada com o conceito quando a funcionária me recebeu com a frase O nosso conceito é..., depois de me perguntar se era a minha primeira vez (e tudo me gritar Socorro, vou perder a virgindade!). Então, o conceito deles é um copo que a pessoa humana enche até vazar, mas só se for tola ou rica (ou então, pródiga, ou perdulária), porque quanto mais pomos, mais pagamos. Já por causa disso, mandei pôr pouco, com ares de quem está numa dieta férrea para ficar mais suculenta. Depois os toppings, é à vontade do freguês, e em sistema de self service. Pudera, vai tudo para a balança. E a balança determina o que regista a caixa. E depois temos a balança de casa a bradar-nos que exagerámos nos créditos que demos à outra. Ai, nã, nã. Pus todos os que me apeteceram, mas pouco de cada. Tudo muito incompatível, que é o meu tal truque para que me deixem comer o meu em paz. Ou porque, efectivamente, não sei fazer composições comestíveis. Sou uma bruta. Não me ponham num self service com ensopado de borrego e pescada cozida lado a lado, que eu meto os dois no prato. Não tenho critério, diante da diversidade. É tudo ao molho, tenha ou não molho. Só isso explica que tenha metido framboesas, morangos, amêndoa torrada, chocolate branco ralado e umas bolas azuis. A colmatar, um creme chamado doce de leite, que é leite condensado cozido, mas cheio da mania. Diz a gaja, quando eu meti as bolas: Ah (não sei porquê, as gajas à nora começam as frases todas por ah), são as nossas bobas, para o nosso chá, mas pode meter no iogurte... Até a ignorei, porque era óbvio que podia meter, uma vez que já tinha metido. Ainda por cima, azuis, podiam lá escapar-me as bobas. 

Peço desculpas por se perceber que, quando tirei o retrato já me tinha alambazado a uma parte, mas foi só quando me lembrei de o tirar.

Boba ia ficando eu, quando, um minuto após, me pede ela 10,26 euros por três iogurtes e ainda me informa que não têm multibanco. Não fora estar acompanhada e, no momento em que disse "Vou ali levantar dinheiro, já volto", ia, ia, mas não voltava, e a boba é que comia as bobas.

Na verdade, só queria mostrar-vos este cartaz e sua subliminar mensagem erótica. Ora atentai no requinte:

A minha vontade...
As minhas bobas...
A minha fruta...
Agora desfruto (e não desbobo?).


Lá no atelier do Criador, há também dias de falta de inspiração

Miguel Gomes, cineasta
Domingos Amaral, escritor


Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 10


Puseram esta macaca no chão da farmácia onde entrei. Também se chamava avião. Para lá das casas 7|8, fica o balcão. Para cá da casa 1, fica a porta de entrada. É uma tentação percorrer, ao pé coxinho, os números todos. O que me vale é ter o esquema mental ainda tão presente, e sei que voltaria à 1 e, então, ficaria junto à porta outra vez, mas agora de saída. E estou de saltos altos. E tenho idade para ter juízo. E tenho juízo. E tenho idade.
Aos 15 anos, escrevia nos meus milhares de diários, uns dias acordo com 15 anos, outros com 80. 
O pior é que isso continua a ser verdade, mas, quanto mais me aproximo dos 80, mais são os dias em que me sinto com 15. 
Disse-me uma sumidade em cardiologia, um dia que o consultei para que me calibrasse a máquina, descompassada, inquieta e irrequieta, quando lhe revelei esta matemática dos números da minha idade, e lhe transmiti o desassossego que seria, um dia, completados finalmente os 80 anos, continuar a sentir-me com 15:

Olha, filha — as sumidades em cardiologia são como deuses e sabem-no, e é por isso que se sentem nossos pais e também um bocadinho donos (da duração) da nossa vida —, o pior não vai ser quando tiveres 80 anos e te sentires com 15. O pior vai ser quando julgares que os tens.

Ainda não julgo. De resto, fui sempre má julgadora (faço excelentes avaliações e péssimas condenações, logo, não sei julgar com justiça e justeza). Mas sempre boa matemática. Por enquanto, ainda faço a média entre as duas idades com que me sinto, e dá-me um resultado satisfatório. E esse, sim, justo.

20/08/2015

Também tive os meus pontos altos, estas férias # 4

As pessoas já não vivem, mas filmam e tiram fotografias. Não é que estejam mortas, conseguiram foi um patamar intermédio entre viver e morrer, que é o da captação de imagens. Enquanto o fazem, não podem dizer que estão a viver — logo, não estão vivas —, mas também não estão propriamente mortas, porque os mortos não filmam e, até prova em contrário, não fotografam. 

A praia imolou-se, no último dia de férias.
[Gosto desta frase para título de livro. Sei que nunca escreverei nenhum, mas já tenho uma boa dezena de títulos escritos.]

Não sei lá como, deflagrou um incêndio, a uns bons quinhentos metros de onde eu me encontrava, se não estendida na areia, pelo menos lá pousada. Foi quando o povo se ergueu, e eu, em atitude igualmente povina, fi-lo também. E fiquei a assistir ao incêndio, enquanto assistia também à profusão de telemóveis e máquinas fotográficas que logo se apontavam, aprontando-se para o disparo e para a fita. Grande parte da multidão sumiu-se lá para mais perto do fogo, não para se queimarem mais do que o sol já estava a fazer pelas suas peles, mas, exactamente, para tirarem grandes planos do pequeno evento. Eu fiquei para trás, mas não me quis ficar atrás, e tirei um único retrato, com a desculpa mental de que era para vocês. Não fui lá para perto, porque sou egoísta, preguiçosa, desinteressada pelas trivialidades da vida, mas, essencialmente, para poder viver o incêndio.



Reportagem da TVI24, e apneia para o momento em que é proferida a frase Estas chamas são bem ilustrativas do fogo que ardeu. Luís Vaz não diria melhor.

Mas ninguém cala este homem? # 2 - Parte II

Blue sempre à frente da imprensa de renome internacional...

Não, não era bem isto, mas também não anda lá longe.

Tive acesso a uma Caras, aquela revista. Assentei o codril numa esplanada e ela veio ter comigo, enquanto bebericava meu café, na santa paz dos senhores que fingiam ler jornais daqueles dos quais fujo a sete ou oito pés, e como o diabo da cruz, pois, que diabo!, tenho medo, e quem tem medo é porque tem o tal codril. Vêm eles pejados de notícias de morte, ontem três jovens, diz que foi lá para o sotavento, na 125 azul, toda negra, ainda antes outros três, três passarinhos a voar nas bicicletas, veio o homem mau e caçou-lhes as asas, barlavento a cores escuras. Não quero saber de mais nada que me aniquile a trégua e me corrompa a paz. Folheio-a com o redobrado interesse de quem não lê nada para além dos bonecos e, à falta deles, se detém uma média de cerca de dois ou três milionésimos de segundo por página, abstendo-se do exercício de se perguntar, a cada imagem, quem é este?, ou, em alternativa, quem é esta?, por já conhecer a sua auto-resposta — são toda a gente, tu é que és ninguém, Frei Luís —, diz um que deixou de beber pela oitava vez, diz a outra que quer ter um filho para o ano, dizem os outros que estão mega-felizes e vão mega-casar não tarda nada, e, não sabem se ainda antes ou já depois, ter um mega-filho para celebrar tanto mega, pois eu fico contente, aliás, mega-contente por eles, sejam lá quem forem, pois têm tantos dentes e aquilo deve ter saído uma carestia, tão alinhavados, retintos a branco, a fazer um contraste bonito com a 125 negra da vida dos outros (deve ser por isso que há quem diga que a vida é a preto e branco), a brilhar de mega-felicidade, eu cá gosto, pelo menos não faço armistício e posso continuar a olhar para a vida e a vê-la a azul e azul.

Não era nada disto que eu vinha cá dizer hoje. Perco-me nos meus atalhos esponjiformes.

A Caras anda a ler-me
Ou não — claro — e, ao contrário do que diz a outra, há coincidências. 


Era mesmo só isto. Mas marcar tudo e carregar na tecla delete custa-me mais ainda do que carregar em 'publicar'.

19/08/2015

Também tive os meus pontos altos, estas férias # 3

Ou, se preferirem, 

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua #



Children's Men.
Tipo Bibi. Tipo padre Frederico. Tipo ignorância cómica. Não, trágica.

É tão pouco blogger da minha parte # 2

Eu tenho (ou tinha, ainda não sei) um vestido verde, que amo muito, a ponto de sentir o amor carnal por ele, já que, quando o coloco sobre as minhas carnes, ele faz de mim a gaja mais gaja do meu perímetro mínimo de convivência social, e, ali num raio de cerca de cinquenta centímetros, não há outra igual, nem tão bem apanhada como eu.
O meu vestido verde é da Stefanel (e não, ninguém me paga para isto; eventualmente, pagar-me-iam para me calar, mas já não vão a tempo), de seda — por isso, transparente, por isso, todo forrado. Comprei-o para o usar num casamento e depois no dia-a-dia, que é o que fazem as pelintras como eu, que vão com um vestidinho que-até-dá, a um casamento, e depois são capazes de andar vestidas de seda para ir trabalhar e para ir para o supermercado, que foi tudo isso e muito mais que eu já fiz com ele. De qualquer maneira, foi usado num casamento civil, descontraído, sem grandes engalanamentos, pelo que o facto de eu não ter levado um laço gigante de tafetá na cabeça, acabou por ser a decisão mais chique que algum dia tomei na minha vida.

O meu braço esquerdo está intersectado pela mama da minha ex-chefe. Aliás, este casamento foi todo ele pontuado por muitas mamas, uma vez que foi nesta ocasião que a sogra da noiva — vá, pronto, a mãe do noivo — pôs as dela de fora.

A etiqueta do meu vestido verde mandava mais ou menos que o mandasse limpar a seco de cada vez que o usasse, pois quem o fabricou nunca pensou que ele viesse parar às mãos e ao corpo de alguém que não acredita na limpeza a seco num vestido tão justo, designadamente ao nível da axila. Não sei se explique que sou muito limpinha, mas morena, pelo que, ou vai de banho todos os dias mais roupa lavada, ou sou capaz de ter que enfrentar o estigma social. Então, lavei-o na máquina. E o meu vestido verde encolheu. Ou seja, ficou mais curto do que o forro. Mas ficou a parecer feitio e não defeito, e eu não deixei de o usar por isso.
Na segunda-feira fui à massagista, porque faço — fazem-me — drenagem linfática. Eu sei que é pouco blogger da minha parte assumir isto assim, a seco, mas a verdade é que eu incho com o calor, incho com as hormonas, incho com os meus nervos e os vossos, incho porque bebo pouca água, incho quando bebo muita água, incho porque durmo pouco, enfim: incho. A massagista usa um creme oleoso para me besuntar os paios e, assim, escorregar melhor pelas minhas carnes afora. E isso é válido para toda a área que vai desde as pontas dos pés até aos maxilares, pelo que saio de lá capaz de passar pela grade de um esgoto, de tão gordurosa que ela me põe. 
Desta vez, levei o meu vestido verde. E, quando cheguei a casa, nem queria acreditar que tinha o meu vestido verde manchado de alto abaixo. Nódoas de gordura com o tamanho da palma de uma mão, outras pequenas, redondas, quadradas, triangulares, hexagonais, pentagonais, e em estrela, de cinco e de seis pontas. Fiz o que faço a toda a roupa que tem nódoas de gordura: lavei-o com detergente da loiça. Mas as nódoas não saíram. Nenhuma delas. Desesperada, meti-o num alguidar com água, detergente, e óleo. Óleo alimentar, desses dos fritos. Mas ainda foi pior. Ficou ainda mais manchado, e vá que me recusei a cheirá-lo, porque, eventualmente, estaria com o pitol do pipol da fartura e do rissoli. 
Pensei em comprar tinta para o tingir em casa, pensei em vendê-lo no OLX como esfregão para pudendas, pensei em atirar-me a ele qual Jack the Ripper, pensei em cagar no assunto e ir para a rua cravejadinha de nódoas, pensei em atirá-lo pela janela e beber até o esquecer, pensei em ir a Fátima (de carro), pensei que ficava doida e tinham que me internar a babar-me toda, eu sei lá, acho que só não pensei nas piores coisas, de resto tudo me ocorreu. 
Ao assistir ao meu desalento, uma das minhas bonecas foi-se informar para a nettinha e trouxe de lá aquilo que parece ser a solução: farinha de milho. Não vos digo que fixem, que eu não duro sempre porque, embora a segunda parte da frase seja verdade, ainda não sei o que é que vai sair dali.


É possível que, mais logo, tenha que ir de novo à netty. Procurar a receita para tirar nódoas de farinha de milho. De um vestido que um dia foi verde. E foi passado por uma polme de óleo. E depois por banho de farinha. 
Ainda o frito.

Como preparar a mala de viagem perfeita, para qualquer destino ou itinerário — uma senhora ensina-nos

Parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades, errr...

Era uma vez uma tia, muito, muito rica — estamos a falar de dinheiro, môres, aquele vil papel, quais metal, quais quê —, que até cheira a dinheiro, de tão podres, que, viúva há um ano, sem filhos, seis irmãos, dos quais cinco continuam vivos e velhos e pobres (e cuja herança lhes vai tirar os dois pés da lama), que resolveu comemorar a linda idade de 94 anos no próximo dia 24, aniversário para o qual estou convidada, mas penso tomar um sossega-leão qualquer, para não me sentar no chão a rir das caronas e dos timbres, no momento em que tiverem que cantar

... muitos anos de vida...

Tenho também que pensar bem no que é que levo à minha rica tia como prenda de aniversário.


18/08/2015

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 9

Tudo me transcende.
Vou-me à bica com mais duas pessoas.
No café em questão, não me conhecem, pelo que não sabem que o bebo sem açúcar.

(Minha gente, um dia atinjo o Nirvana da toma do café, e ele é tomado na concha das mãos, juntas e frescas qual coço de cortiça, como fazíamos em miúdos para beber água da torneira. Existe água mais saborosa do que a que jorra das nossas mãos afora, acabadas de brincar, ou mesmo de esfolar, em kit completo com os joelhos? Se já tomo o café sem açúcar, sem pau de canela — esta é das tais perguntas, Quer pauzinho de canela?, para as quais ando a elaborar resposta capaz há uns tempos a esta parte —, sem pauzinho de plástico — que é acessório que me ultrapassa completamente, e em excesso de velocidade —, só com uma colherinha de metal, e-e, se não houver, também ninguém morre, nem o café arrefece —, no fundo, não da chávena, mas da minha alma, o único apêndice do qual ainda não prescindi, foi da chávena. Mas já respondo, ao questionário dos quer? todos, Não, é só mesmo a chávena e, qualquer dia, nem isso, basta-me o café, directamente da máquina para a concha das mãos. E vá que não sugira que vá da máquina à boca, porque isso poderia dar azo e, no fundo, gosto de saboreá-lo, e ai de quem mal y pense.)

Cada chávena trazia, naturalmente, um pacote de açúcar — neste caso, mais ou menos explicativos dos vários tipos de café.


Qual foi o que me calhou, qual foi?
Adivinharam: 


Café com bombom, que, pelos vistos, se chama biberon.
Isso faz de mim uma baby, certo?
(Eu não disse babe.)
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[Agradecimentos ao Xilre, pela inspiração cafeínica :)]