08/08/2015

Diário de fora de bordo # 3

Estou na fila para pagar o secador de cabelo, que nunca uso, e do qual fujo como o diabo da cruz, mas também reconheço utilidade, numa terra cujos dias são quentes, mas as noites são húmidas, ao ponto de o cabelo não secar nem à força de promessas ao santo, por forte que ele seja. À minha frente, a proceder ao pagamento, uma senhora muito idosa, a debitar um número de contribuinte. A acompanhá-la, uma outra, a entrar não tarda no meio século, e uma menina, talvez com seis anos, aflita para fazer chichi. Pelo que percebo, já teria pedido que a levassem à casa-de-banho, mas recebeu, naquele momento, mais uma vez, por parte da mãe e da avó, as respectivas respostas: "Olhe, tem que esperar por chegar a casa", e "A menina, agora, vai portar-se bem". A criança deitou uma mão, chapada, ao entre-pernas, parecia mesmo uma parra. Depois deitou a outra, disse, num gemido, "Estou tão aflitinha", e assim ficou, de pernas abertas e as duas mãos a segurar a zona genital. Como o suplício não acabasse, começou a rodopiar sobre si mesma, e rodou, rodou, contei eu nove vezes, enquanto a mãe lhe sussurrava qualquer coisa que a fez parar e, então, adentraram juntas na loja, enquanto a senhora mais velha titubeava, pela enésima vez, o número fiscal sabe-se lá de que cápsula, em que galáxia. Fiquei a vê-la afastar-se, a trocar os pés um com o outro, sem saber muito bem se da vontade de fazer chichi, ou das tonturas provocadas pelo seu próprio carrossel. De qualquer forma, não se dirigiram para a casa-de-banho, e isso lembrou-me que ser filha de uma mãe daquela idade não é a mesma coisa que ser filha de uma mãe da idade das outras mães. Ainda por cima, sendo a única filha. Nem quero imaginar o que teria sido a minha infância sem uma irmã praticamente da mesma idade. A irreverência e a tomada de uma atitude também se aprendem, quanto mais não seja em conjunto. A mim, aquela situação não ocorreria jamais, não só porque a minha mãe era mais atenta e mais humana, como também porque nós não a deixaríamos chegar tão longe. Muito soquete molhei eu, quando a espera ultrapassou todos os limites. Existe uma linha de fronteira entre o conceito de educação rigorosa (que também me levaria longe, longe...), e direitos básicos de qualquer ser humano — inconfundíveis com meros caprichos —, que não pode nem deve ser pisada nem ultrapassada por ninguém.

6 comentários:

  1. "ser filha de uma mãe daquela idade não é a mesma coisa que ser filha de uma mãe da idade das outras mães." Olha que não, acredita! e mais não digo... :)
    Ou antes digo, Boas férias!!!!!!
    Um beijo, Linda

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    1. Eu falo pela minha experiência, Té: a minha mãe tinha 40 anos quando eu nasci. Muito mais atenta para umas coisas, muito menos para outras, que fazem muita falta enquanto se é pequeno...
      Obrigada :) Para ti também.
      E beijos :)

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    2. O que eu queria dizer era que também tenho uma filha, caçula, com seis anos mas não tenho a idade da grande maioria das mães com filhas de seis anos... :) [e que a atitude descrita não está, por si só, relacionada com o factor idade].
      Tal como a tua mãe, jogo na divisão "mãe depois dos 40". Cota! ;)
      Bj

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    3. Claro :)
      Pode bem não ter. Mas ficou-me sempre essa ideia, a de que as mães mais novas se prestam a tarefas mais dinâmicas, e as mais velhas a tarefas mais intelectuais. Eu nunca me lembro de a minha mãe se sentar connosco no chão, a brincar, mas lembro-me de ela nos contar histórias sem fim.
      Mas podia ser só ela.
      Olha, e cotas são os trapos ;)
      Vê lá se eu não me criei :)
      Bjs

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  2. Penso que isso nao tenha a ver com a idade mas sim com a atencao e preocupacao da mae. Ou isso ou a mae ja sabe que a filha faz sempre dessas fitas e ja nao esta para se chatear xD

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    1. Pode ser, pois.
      Ou a miúda não tem iniciativa nenhuma.
      Eu molhava soquetes e sapatos, assim que a bexiga gritava basta. :P

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