18/08/2015

Desculpas privadas, públicos achincalhos

Quando fizeres merda da grossa, daquela que fede e é dura como cornos, dessa mesma que estás a pensar, da que olhas para ela e nem sabes como é que um monstro com aquelas dimensões saiu de dentro de ti, como é que tiveste capacidade para largar cá para fora semelhante aberração, olha à volta, olha para dentro e verifica se está alguém a ver, mas, sobretudo, se alguém viu. 
Se fizeres ou disseres um disparate em público, reúne o mesmo público para escutar o teu pedido de desculpas. Errar com plateia e retratar-se em privado é coisa para cobardes e dissimulados. 
E sê sincero: explica com detalhe as razões do teu pedido de desculpas, que as do disparate ninguém quer saber, nem mesmo quem ofendeste. Um disparate, um bom disparate, merece o tratamento igual ao que vale: zero. E, se fizeste a fineza de enxovalhar alguém à frente de outras pessoas, sê Homenzinho e enxovalha-te de forma tanto quanto possível igual, para te redimires. Essa de borrares a pintura diante de uma plateia e depois ires limpá-la quando estiveres sozinho com o dono do quadro, não te retira em nada, aos olhos dos outros todos, a fama e o proveito de sujador, de poluente ou de destruidor, em função do tamanho da tua porcaria. 
Ou então, sê suficientemente esperto para que não se perceba que o teu pedido de desculpas só é feito em função de um interesse secundário, como é, por exemplo, não quereres chatear-te mais. A hipocrisia chega a ser uma virtude, se souberes praticá-la com inteligência.
Por duas vezes, duas pessoas diferentes me criaram uma situação pública altamente constrangedora, apenas com palavras que, conforme sabes, são os punhais mais fininhos, afiados e laminados que se inventaram depois da Pedra Lascada. Ambas vieram oferecer-me flores, dias mais tarde, quando já era defunta a minha alegria, e eu já nem gostava de flores, por coisas cá minhas e do meu pai. A ambas disse que sim às flores, por serem inocentes da crueldade da Humanidade, e que não aos perdões a dois — Reúne quem assistiu ao meu achincalho, pede-me desculpas que eles também possam ver e ouvir, e pede-lhes desculpas a eles também. Agora estou à espera que me apareça o terceiro ramo de flores, porque diz o povo, na sua máxima sabedoria, que não há duas sem três. 
Quando ofendes uma pessoa diante de vários espectadores, ofendes uma multidão inteira. Envergonhas uma sala, uma casa de alto abaixo, uma rua de norte a sul, uma cidade de nascente a poente, o mundo que te acolheu durante a idade da inocência, e não te expulsou quando a perdeste. 
O destempero diante de vários, seguido de redenção a dois, é como aquela coisa dos vícios privados, públicas virtudes — não sabe a nada. É um bocadinho como a água: insípida, inodora e incolor, mas é uma água impotável: insalubre. 
E eu sou assim, preciso de pão-pão-queijo-queijo, olho-por-olho-dente-por-dente, amor-com-amor-se-paga. Só diante de um grande auditório conseguirei aceitar um pedido de desculpas e, então aí, chorar toda a mágoa e toda a raiva que me deste a provar, em provação, desde aquele dia.
Simples. Claro como água potável.



2 comentários:

  1. Querida Linda Blue,
    "o mundo que te acolheu durante a idade da inocência, e não te expulsou quando a perdesse" está muito bem.
    A retratação nunca tem o impacto da ofensa. Melhor seria que se evitasse a mágoa. Mas, a frase "as desculpas não se pedem, evitam-se" sempre me foi estranha. As desculpas pedem-se, sim. Sentidas.
    Um beijo,
    Outro Ente.

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    1. Querido Outro Ente,
      Todos temos um mundo que nos acolhe incondicionalmente, mesmo após a perda da inocência. Nem desse, ou principalmente desse, devemos abusar, quanto mais do outro, lá fora, que não nos perdoa os deslizes e nos julga e condena com tão maior facilidade.
      Também eu nunca atinei com a frase que manda evitar as desculpas. Era bom, de facto, que elas não existissem, mas o mundo ideal não existe. Basta-nos que, como bem diz, sejam sentidas.
      Um beijo também para si,
      Linda Blue.

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