Estava estendida na esteira, à sombra do colmo, praticando ávida, árdua e afanosamente a preguiça, cheia de orgulho mal disfarçado na minha envolvência física, sentindo-me quase luxuriante - era ter comigo um mero e singelo cacho de uvas, e era eu a imagem da Cleópatra, mas em bom, em chique e em nacional -, um nico irada por esperar, há mais de um ano, que meu Maracujá me arranjasse a bola de Berlim com recheio dele homónimo, incapaz de sentir inveja [puxa, porra, este é o pecado que me lixa os textos todos, sempre que pretendo meter os sete anões na minha prosa], porque ninguém é digno dela, quando ele se aproximou de mim, e afirmou, a pés juntos, soprando e cantando como uma serpente,
Hoji teim dji márácujá...
Colega de vendas do meu capitão da areia, há dias que com ele disputava a cliente, numa espécie de competição por quem é que lhe vendia primeiro a primeira bola de maracujá.
- Mas eu comprometi-me a comprar ao seu colega.
- Ele não tem - respondeu-me a serpente, estendendo-me a maçã.
A carne é fraca, a gula é poderosa. Aceitei-lha, mas, avara, achei-lha cara, extremamente caríssima, pela desproporção espera versus expectativa/concretização versus risco de desilusão.
Mordi a maçã, que me soube a traição, mas não a maracujá de Maracujá - só àquele veneno que não sei como não me adormeceu ali, não me transformou a esteira numa urna de cristal e não pôs os sete pecados à minha volta, chorando o meu infortúnio. Terá sido por estar muito bronzeada, nada Branca.
Quando o meu Maracujá, mil dentinhos numa enfiada de pérolas, minutos depois, me disse,
Hoji teim dji márácujá...
e eu tive que lhe dizer
Já o traí, o seu colega disse que só ele é que tinha...
Vi-lhe os dentinhos desaparecerem, os braços baixarem, a desilusão no corpo todo.
Não tem mal...
Fiquei a vê-lo afastar-se, expulsa do paraíso, pecadora original, original pecadora.
~
- E hoje, tem? Quero comprar-lha a si. Quero redimir-me.
- Não, minha quirida, num teim. Áquêlhi djia, eu trouxe só pra você. Amanhã já trago dji novo.
De novo, Maracujá, de novo, maracujá.
Parece que há uma nova versão sobre a costela ( que afinal não era costela) da qual foi criada Eva. :))
ResponderEliminarBoa tarde e boas férias, Linda ( agora Blue)
Eva deve ter sido criada da costela III ou IV de Adão, ou seja, aquela que fica mais próxima do coração :)
EliminarMas comeu bola de Berlim, a devassa. Pode ser que tenha ficado gorda.
Boa noite, JM. Obrigada. Boas férias também, se for o caso. :)