Naquele dia em que rebentei com um vidro de dez quilos, estava a pintar o cabelo. Eu sei que podia poupar-me a estes enxovalhos, e a vocês à sordidez de algumas horas da minha existência, mas é que é para que possam acompanhar o contexto, e também para que a cena seja mais real do que a realidade ultra-realista que é a minha. Bem sei que estava entrosada em esquema diário de praia, mas houve ali um dia de periclitância emocional, em que me olhei a um espelho maldito, que me deu a entender a inadiável pintura pilosa. Havia de ter escavacado o espelho e não o vidro, mas, por superstição (sete anos é muito ano e eu já não vou para nova), ou por falta de pontaria, dei em ir-me ao vidro, até parecia a outra gaja do Frozen, a estilhaçar tudo o que toca, como se tivesse alguma serventia congelar os ambientes sem ser com uma piada estúpida, mais conhecida por pedrada no charco.
Ora mal, chegara o momento de tirar a tinta da cabeça, pelo que me acerquei da banheira, dei um puxão no vidro protector anti-salpicos que, pelos vistos, não era à prova de bala, e ele se descolou da calha. Fiquei, assim, um pouco parva, a segurar um peso daqueles, de braços para cima e mãos molhadas. Estava mesmo a pedir que o amandasse com os porcos, e até foi o que acabou acontecendo: não fiz das fraquezas forças, aparentemente. O vidrão despencou-se, deu com os cornos no rebordo da banheira, e desfez-se para aí nuns três mil e quarenta cacos, que, por sua vez, choveram para dentro da banheira e para o chão, onde se encontravam, vá-se lá perceber porquê, os meus pés — bem assentes na Terra (vulgo, no azulejo), como quase nunca. A chuva não bate assim: três ou quatro nicos de vidro rasparam, cortando, num dos meus pés, e um deles espetou-se ligeiramente. Já vão perceber por que é que foi ligeiramente. No fundo, não foi profundamente.
Mas, lá está: a vida é esta sucessão alucinogénica de coisos, e não havia tempo a perder. Eu tinha a tinta por retirar. Como não conheço as consequências de ficar tempo a mais com o corante na pinha, também não quis arriscar ficar hiper-tingida. De pé a sangrar, mas de pé, corri em passos Dama Pé de Cabra para a outra casa-de-banho. Na corrida, chutei o vidro mal enterrado nas carnes (ainda bem que Jorge Mendes não assistiu a este bocadinho do episódio). E, fora da banheira, como faço sempre que lavo o cabelo, desatei a passar a cabeça por água.
Não sei se ainda aí estão. Hã?
Portanto, cabeça para baixo, a lavar o cabelo, pé a sangrar, e sem saber exactamente até que ponto não teria que ir fazer pedicure para o Hospital de Faro.
Este foi o momento em que me engasguei com a minha própria saliva.
E em que pensei: "O que vale é que eu sou uma senhora. É que só falta mesmo..."
O quê? O que é que eu pensei que só faltava mesmo acontecer-me, naquela situação?
Portanto, cabeça para baixo, a lavar o cabelo, pé a sangrar, e sem saber exactamente até que ponto não teria que ir fazer pedicure para o Hospital de Faro.
Este foi o momento em que me engasguei com a minha própria saliva.
E em que pensei: "O que vale é que eu sou uma senhora. É que só falta mesmo..."
O quê? O que é que eu pensei que só faltava mesmo acontecer-me, naquela situação?
Não sei o que faltava, mas fiquei curioso para saber! :-)
ResponderEliminarBjs
Já estava na casa-de-banho, numa situação tão insustentável, só me faltava ter uma desinteria, ou uma cólica daquelas :D
EliminarBjs