11/08/2015

Diário de fora de bordo # 6

Ou
Das minhas incoerências

Assim como, assumidamente, compro guloseimas de que mais ninguém gosta, para que não acabem as minhas, vou às compras e esqueço-me completamente de comprar a fruta de que gosto, e venho carregada com quilos de fruta para os outros. Pêras e maçãs, não é o meu forte. Digo, a quem me sugere que coma uma pêra à sobremesa, que não gosto de pêras. Mas agarro numa pêra e como-a até aos caroços, sem um protesto. Isto lembra-me uma pequena rechonchuda, que hoje é uma mulher, a comer uma pêra inteirinha, dada pela minha mão, enquanto dizia, do alto dos seus três anos, Não gosto de pêia.
~
Isto é quase um clássico: os arrendamentos de Verão são de casas que têm máquinas avariadas. Acho mesmo que os senhorios compram máquinas que não funcionam, e equipam assim as cozinhas. Levo as toalhas de praia à lavandaria self service. Estão dois funcionários exaustos, pela quantidade de toalhas e lençóis que os aldeamentos ali despejam nesta altura do ano. Entra uma senhora inglesa, ou irlandesa, whatever. Quer o serviço rápido e barato que não existe, nem no relógio nem na tabela. Sobrancelhas coladas à raiz do cabelo, pálpebras esticadas ao seu limite máximo, os finos lábios da arrogância. Anda por ali uma mosca, das que se colam à cara. Aterra na cara dela, e com ela sai, toda cheia de enxofre.
- Esta senhora vem sempre assim, mal humorada. Vê-nos cheios de trabalho e ainda se vai embora toda enxofrada.
- Não. Enxofrada, não. Com a mosca.
~
O supermercado é, definitivamente, o lugar onde nunca, em circunstância alguma, me deves levar.
Estou na fila para pagar um cesto cheio até cá acima e mais além. Tenho apenas à minha frente o tapete rolante cheio das compras etílicas de um jovem provindo da Europa do norte. Tudo muito civilizado. Mas esta paz tinha que ser perturbada por uma azeda, que tinha apenas um artigo para registar, reclamou a abertura de uma caixa e, quando isso aconteceu, achou-se no direito de ser imediatamente atendida, ignorando a minha presença. Ora, eu não gosto que me ignorem. Odeiem-me, mas não me façam isto, sobretudo no supermercado. Aquilo que ali estava era uma líder, que queria mandar no mundo, designadamente no meu. Digamos que nos travámos de razões, porque ela decidiu começar a falar alto acerca de civismo e repetiu a frase Nós não somos todos iguais, o que me enervou. Vi-me obrigada a mandá-la calar-se. Ando tão civilizada. Isto, noutros tempos, era a barraca abaixo. Agora já só abana.
~
A casa onde estou instalada tem uma parede roxa. Nela, está exposto aquilo que o dono da casa deve considerar um quadro.
O meu blog era roxo, quando o abri.


~
Sonhei que tinha morto um homem. Capaz, eu, de, com unhas e dentes, arrancar um homem às garras, e vou sonhar que matei um.
Também tenho sofrido horrores com o síndrome das pernas inquietas. Acordo de noite a pedalar.
~
É uma cobardia entrar neste mar. A temperatura dele não provoca um único arrepio.
~
Passa um vendedor de bolas de Berlim, que também vende coca-colas, e diz "Coquinha fria".
~
Devo andar a alucinar. As férias não são só coisas boas.
Mas eu estou a gostar.
Também gosto de alucinar, para variar.

2 comentários:

  1. Querida Linda Blue,
    Já me perguntava por onde andaram os papelitos.
    A temperatura da água tem compensado as tropelias do sol.
    Um beijo,
    Outro Ente.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querido Outro Ente,
      Pareço uma louca, na praia, de caneta em punho e com os meus papelinhos. Depois tenho que juntar tudo, no momento em que me calha a vez num portátil partilhado com uma multidão.
      Este mar é uma sopa. Sinto-me uma abóbora, e cobarde, só de lá entrar. Até o sol se intimida, acredito.
      Um beijo para si,
      Linda Blue.

      Eliminar