22/08/2015

Mulherzinhas e Homenzinho

Aterramos na areia, nós os dois e as Mulherzinhas.

Eu tinha medo de ter uma quarta menina, por isso mesmo: uma delas morre e a minha vida tem sido pautada por coincidências absurdas demais para que eu possa dar-me ao luxo de arriscar mais uma. Ainda assim, adoeceu-me uma em tempos, exactamente a terceira, e foi nessa altura que eu tive medo.

Elas, muito mulherzinhas, levam os lanches nos sacos: bolachas de arroz, barras de cereais, tâmaras secas, maçãs. Tudo light e saudável. Levam também amendoins.
Nós, porque somos iguais um ao outro, não levamos nada. Uma garrafa de água, de 600 mililitros, para os dois. E moedas contadas, que nos darão para pagar o parque de estacionamento, e uma emergência, que não sabemos qual poderá ser. Pretendemos atravessar a hora do lanche sem sabermos muito bem como, sem comer. O que se vende nesta praia — gelados moles e batatas fritas — não nos agrada e não queremos ir ao bar, onde tudo o que lá se vende nos levaria as moedas destinadas ao parque de estacionamento. E à tal emergência.
Adoro os olhos dele. São castanhos, e estonteantemente bonitos. Deitamos as nossas toalhas lado a lado, enquanto as Mulherzinhas se estendem do lado de lá. Eu pego num livro, mas é tão mais forte do que eu a ânsia de conversar e escrever, que o que leio não me prende. Tenho-o à cabeceira há quase um ano, e não passo da página 30. Já o devia ter arrumado.
As Mulherzinhas lancham os seus lanchinhos e nós ouvimo-nos um ao outro. Elas insistem que ele é hiperactivo, mas os quinze anos dele, daqui a dias, são os meus quinze anos — cheios de viço. Temos a mesma febre, o mesmo brilho, a mesma tormenta boa. E eu nunca fui hiperactiva, mas o rótulo cola-se com uma facilidade só não assustadora porque teimamos em ser felizes. Elas pegam em livros e revistas de mulheres, mulherzinhas que são, ele fala ininterruptamente com a única pessoa que o ouve. Vamos juntos ao mar, entramos na mesma onda e esfusiamos na mesma crista. 
Não temos nada para comer, a não ser uma razoável sobra de amendoins do lanche delas. Alisamos a minha toalha e ele começa a descascar, um a um, e a oferecer-mos.
- Tu não comes?
- Como, mas come também.
- Eu posso descascar os meus.
- Descasco eu.
Parecemos dois macacos. É a minha reencarnação ideal: macaca. Uma vida de galho em galho, bananas, amendoins e a catar os filhos. Não conheço felicidade mais absoluta do que a da vida de uma macaca-mãe. Fazemos um piquenique porco, porque as casquinhas mais leves voam para a areia.
- Isto voa tudo.
- Mas é biodegradável, e as gaivotas também comem.
- E ainda temos ali a água.

Foi um lanche farto e rico, aquele nosso. 



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