12/09/2015

Pedras no meu caminho? Apanho-as todas. Depois faço um montinho, chamo os cães para a defecação — que eu sou uma senhora, não faço essas coisas — e depois retribuo-as, uma a uma, já com o juro de mora acoplado.

Quando, no meio do nada, vinda do nada, a propósito de nada, te surge uma pedrada, atirada por quem não esperas, o que é que ficas a pensar?
Eu detenho-me.
Penso várias coisas:
1 - Isto foi sem intenção — porque há em mim uma Madre Teresa. Mas depois a voz da razão, que é a minha quando só uso os graves, diz-me assim: não é a inexistência de dolo que desagrava o resultado. E concordo com uma das minhas vozes, uma vez para variar.
2 - Isto vem de uma pessoa desastrada — porque há em mim uma mãe de todos, que se arroga o direito de aturar as infantilidades de quem me cruza o caminho, ainda que já tenha idade para ter juízo. A impáfia, que é esta capacidade ilimitada para perdoar, sobretudo quando ninguém me pede perdão, devia ser um pecado capital, tão mais grave que a soberba. Custa-me perceber que o desastrado precisa de se ir tratar, ou, em não querendo, aprender a controlar os seus ímpetos.
3 - Isto vem de uma pessoa má — mas depois lembro-me que não há rapazes maus, que ninguém é absolutamente mau, que ninguém tem motivos para me odiar, e só me falta sair pelos prados a colher florzinhas bravas e ir oferecer um raminho à minha vizinha do lado (que é uma granda cabra), e aqui fecha-se um ciclo vicioso.
4 - Sou eu que estou a perceber mal — também é possível. Sem ironias, eu percebo mal as coisas. Também me engano. O tal dolo pode estar em mim. Posso ver más intenções por ser uma pessoa mal intencionada, e aqui fecha-se outro ciclo vicioso. 
5 - Sou eu que ando frágil — ando frágil, parece um eufemismo de mim. Tudo me toca, tudo me enrola, assim como o bicho-da-conta. Tenho sempre os nervos à flor da pele. Num pequeno percurso de cem metros, sou capaz de me emocionar cinco vezes. Vejo uma criança, vejo um pássaro morto, vejo um casal de velhinhos, vejo um avião que parte, vejo o azul do céu. Não sei como é que o meu coração aguenta. 
6 - Eu própria, a mestra, a rainha, a deusa da gaffe, já posso e devo ter sido tantas vezes inconveniente e estúpida, que ó: estas são a paga, só não provêm da mesma pessoa a quem atingi com as minhas. Uma espécie de lei da compensação com desvios de sujeito.

Ora, vamos lá a ver: apesar dos esforços que tenho feito ao longo das minhas vidas, e de achar que o outfit havia de me ficar a matar, para além de ter cara e cabelo mesmo a jeito de dar uma de arromba, eu não sou santa. Lamento informar, assim, a seco, mas acho que será difícil vir a existir uma réplica deste monstro de beleza e bondade num qualquer altar deste nosso rectângulo, ainda que numa capelucha lá perdida onde o diabo procurará as botas. Quer dizer, também me apetece, por vezes, arrefinfar com uma cadeira pelos cornos abaixo do próximo, ou do longínquo. Mas não o faço, não é? 
Então, é muito simples, isto de lidar comigo: é só não me fazerem ter vontade de ir buscar a cadeira.

4 comentários:

  1. Anónimo13/9/15

    Linda Blue, aproveita a cadeira para te sentares e pensares se vale a pena.
    Bom domingo.
    Mia

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    1. É o que faço sempre, nas raríssimas ocasiões em que isso me ocorre, Mia. Simplesmente, ontem, ocorreu por duas vezes. E duas, no mesmo dia, já me forma uma plateia inteira, de tantas cadeiras.
      Bom domingo. Beijo.

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  2. Que te fizeram? Queres que lhes bata?

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    1. Fizeram-me malinhos, Escribinha.
      Eu vou pelo método da cadeira, mas se quiseres ser tu a amandá-la, eu fico muito impressionada...

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