30/09/2015

Eu moro em cima de um dos cruzamentos mais perigosos de Lisboa. E de Portugal (se não do mundo).

A minha rua é pequenina, tem apenas três prédios — parece aquela história da palavra pequena, a maior que o mundo tem. E é um beco, também. Não sei por que não se chama Beco-não-sei-quê, em vez de Rua-não-sei-quantas. Beco-da-Mãe, por exemplo.
Na ponta oposta, cruza com outra rua, que também é uma rua pacata. Aliás, o meu bairro parece uma aldeia, com todas as vantagens de uma aldeia (toda a gente se conhece, e os meus vizinhos dão-me legumes) e nenhuma desvantagem (ninguém se mete na vida de ninguém — avalio eu, por mim), mas encaixado numa cidade, com todas as vantagens de uma cidade (acessos fáceis, tudo à mão) e nenhuma desvantagem (esta foi mais para compor o texto, porque, na verdade, as emissões de CO2 são as mesmas, e haverá chumbo nos nossos pulmões, sem que para isso necessitemos de os balear).
A não ser este cruzamento, sobre — praticamente — o qual moro. 
Ele são ciclistas na ciclovia. 
Ele são pessoas a correr pela pista (é a mesma, mas uma pessoa tem a tendência para a distinguir em função dos utilizadores).
Ele são crianças que brotam como flores por todo o lado — é que, vá, num percurso de cem metros, temos duas creches, um jardim de infância e uma básica de primeiro ciclo. Dá-se o caos, quando os pais vêm trazer ou buscar. E brotam mais crianças dos carros que vêm às creches (os irmãos mais velhos). Sabem aquelas debandadas de fim de tarde, quando os pardais se juntam todos na mesma árvore? É assim.
Ele são carrinhos de bebés. Com bebés lá dentro.
Ele são senhoras muito barrigudas. E que não parecem ter abusado dos fritos.
Ele são muitos cães à solta da trela — para poderem passear à cão, e decidir capazmente onde depositar a feze (normalmente, no meu passeio). 
Ele também aparecem gatos. Debaixo dos carros, ou a voar à frente de um cão.
Isto faz com que, quando circulo numa rua em que, como em todas, salvo indicação em contrário, até posso ir a 50 km/h, nestas duas que se cruzam aqui debaixo do meu nariz, tenho que ir a 10 à hora, a olhar para todos os lados — com stretch do pescoço, bendito Pilates —, porque o mínimo que me pode acontecer é passar por cima de um pombo. E isso seria absolutamente traumático (para ele, mas também para mim, que, conforme sabeis, andei a bater mal uns dias por ter morto — e nem sei se bem morto — um gato).
Ainda ontem salvei uma lesma de morrer no meu lava-louças. É a segunda lesma que salvo esta semana. Costumo pegar num bocadinho de folha de alface, tipo tapete do Aladino, e embarco a lesma janela abaixo. É um invertebrado, não vai fracturar a coluna. Mas fico preocupada se o tapete voador vai dar ao cruzamento onde toda a vida deste bairro se processa, com a minha lesminha lá em cima, e ela fica esmagada debaixo de um rodado. Invertebrado, mas não tanto.
Isso diz muito sobre mim?
Diz, pelo menos, que eu ando a comprar alfaces com lesmas.


2 comentários:

  1. Pensei que só eu é que salvava lagartas, lesmas e caracóis.
    Mas eu tenho outro método, pego-lhes, ou directamente ou através do recurso a uma folha de alface ou mesmo uma colher , vou ao terraço e atiro-os para o jardim da casa ao lado, que é uma farmácia...
    Se alguma coisa correr mal, sempre estarão melhor

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    1. Eu costumo fazer pontaria para uns vasos grandes que há na entrada do meu prédio. Para as deixar na relva, teria que descer à rua, não vou tão longe :)

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