29/09/2015

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 26

Quando há um momento em que a montra da mercearia do teu bairro te parece indicar uma casa de meninas. É cedo e ainda não acordaste bem acordada. 


E és logo castigada. Entras, avias-te de sete ou oito quilos de fruta, escolhes o melhor que podes e sabes — cheirando-a, e constatando que, drivados à chuva que cai pela manhã, uma quanta cheira a mofo, outra quanta a olho do rabo —, diriges-te à caixa para pagar e uma mulher azeda diz-te, literalmente, que não lhe vais passar à frente, como se isso fosse possível diante de tamanho tonel de fel. Ignora-la, perguntas a quem sabe onde estão as recargas de alho em pó (são alquimias, são bruxarias, são truques de magia, senhores — o alho em pó é o segredo da deusa), e outra azeda arqueia as sobrancelhas até ao limite da raiz capilar e responde assim:
- Recargas de alho em pó? Quer dizer o quê, com isso? Os pacotes?
Vá que esta espécie de azeda gosta mais da palavra pacotes do que recargas. São inconsciências que cada um explica as suas, Freud explicaria as de todos.
Cria-se, então, uma sit almost com:
- Eu disse recargas de alho em pó, há alguma coisa na expressão que a confunda?
Azeda a topar que era melhor não ir por ali, e que a discussão recargas-de-alho-em-pó nos poderia levar longe às duas, estragando-lhe o dia a ela. 
- Não sei se os pacotes dão para encher o frasquinho...
Olha que erótica. Olha que escatológica.
- Então, se não sabe, não questione. Referia-me às recargas.
Dolorosa, a sensação de ter entrado no local errado à hora errada. Estava a ver que ainda me saía à sorte um homem-bomba. Daqueles mesmo a sério, com coisas à cintura, que explodem.
Eram 8:30 da manhã, eu carregava sete ou oito quilos de fruta — e uma recarga de alho em pó — pela rua, e ainda o peso do crivo de duas azedas, ou seja, de cinquenta por cento das pessoas presentes naquele espaço.
Diz que se vende lá um dos melhores prazeres da vida. Nem quero imaginar qual.

4 comentários:

  1. E não perguntaste?

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    1. Nem pensar! Com aquele nível de azedume antes das 9 da manhã, saí foi de fininho, antes que aquilo se pegasse...

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    2. Mas olha q tinha sido giro questionares se o maior prazer tb se vendia com aquela simpatia :)

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    3. Será que a azeda das sobrancelhas arqueadas não me questionava com um "Maior prazer? Quer dizer o quê, com isso? Os pacotes?" :)

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