11/09/2015

Onde estavas no dia 11 de Setembro de 2001?

Em casa. Ainda mais do que hoje, alheada do mundo. Metida numa concha, com quatro pérolas para cuidar. A pensar nos preparativos dos sete anos da que chegou primeiro. Alerta, a ver se o queixo rasgado por um de mil saltos mal dados, dias antes, de outra, não abria os pontos, perante a contínua profusão de saltos, alguns tão mal dados quanto o do queixo rasgado. "Esta ferida é típica dos rapazes", disse a médica que a atendeu. "E das cabriolas", como se diria lá no nosso Alentejo. Vigilante às horas e nas horas, à sesta da manhã de um bebé de um ano, às brincadeiras, à segurança, aos ciúmes de uma menina de dois e meio. Refeições desencontradas — o bebé come quando acorda —, comidas diferenciadas — mais sólido e mais seco para uma, mais papa para outra, mais líquido para outra, mas esta come tudo o que apanha, cabriola, com esta não tenho que me ralar mais do que estar atenta a que não se engasgue. 
Atenção, desvelo, cuidado. Não me exigia mais do que isso.
Não me lembro do meu almoço, que terá sido como sempre: em trânsito. Com várias mãos a servir colheradas de sopa, a ajeitar o babete, a tirar um boneco de debaixo de mim, a empurrar com um dos vários pés uma porta, a pedir clemência, não pises a tua irmã, atenta a um mundo, desatenta ao mundo inteiro.
Quais internet, quais quê.
E os jornais, que nem para embrulhar fraldas me serviam.
~
O telefonema da comadre, O mundo está louco, ruíram as Torres Gémeas.
E eu, tão longe da América, tão perto da infância, revi mentalmente os títulos dos livros para raparigas da Enid Blyton — os dos colégios.
Não, isto não é para ter graça, porque eu não sou profissional cartoonista interventiva, ou, sequer, pro qualquer coisa. São apenas as minhas associações de ideias, que sempre foram muito férteis, assim como eu (lá fiz outra), muito mais do que as ideias propriamente ditas. A psiquiatria talvez explicasse isto, se eu lhe perguntasse, mas prefiro não, porque há coisas que mais vale ficarem na ignorância. 
A extensão do crime é avassaladora, insustentável para o raciocínio que não consigo fazer. Só me sai isto: não foi uma tragédia com duas mil vítimas. Foram duas mil tragédias. Não sou capaz de considerar duas mil famílias destruídas de uma só vez. Dois mil mundos. Ainda hoje vejo as imagens dos aviões tal como vejo as dos tsunamis e de qualquer fatalidade com aquela dimensão: pasmada, muda, queda. 
Queda. É isso mesmo. Depois da queda, o mundo mudou. Quedou-se. 
E fiquei assim: mais ignorante, a partir do dia 11 de Setembro de 2001. Mas continuei alerta, atenta, vigilante, cuidadora. Taking care of, como diriam os americanos — que não admite uma tradução rigorosa e inteligível. Perceptível.


8 comentários:

  1. E já lá vão 14 anos... é incrível :\

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    1. Podem passar 41... será sempre incrível, tanto a rapidez do tempo como a dimensão do assombro :/

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  2. Anónimo11/9/15

    Eu estava a trabalhar. Sempre fui um trabalhador, ser-me-á permitido dizer porque se não sou eu a elogiar-me quem será? :)
    Recordo-me da balbúrdia informativa e do ruído humano que se seguiu.
    Durante quase todo o dia, o trabalho deu espaço às mais variadas conversas.
    Retenho, ainda, a dúvida que me assaltou e que ainda hoje mantenho: quem fez aquilo?

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    1. Eu não posso dizer que não estivesse a trabalhar. Estava, pelo menos, hiper-ocupada. Mas muito mais longe do que as outras pessoas de imaginar o que se estava a passar em Nova Iorque, que, de repente, ficou tão perto.
      Não te sei dizer quem fez aquilo. Nem metaforicamente. Ultrapassa-me.

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  3. Eu lembro-me perfeitamente desse dia. Na altura trabalha numa empresa Americana, precisamente. E foi uma amiga minha que me avisou pelo chat "Olha, um avião bater no WTC" e eu fiquei a pensar que era acidente até ela dizer "Olha, agora foi outro que bater na 2ª torre". Passamos o resto da tarde a ver as noticias na TV.

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    1. Eu estava tão a leste que, quando recebi a notícia, já tinham embatido os dois aviões. Já recebi a notícia como atentado. Nunca ligava a TV, ainda menos à hora de almoço.
      Inesquecível.

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    2. Ups....só agora notei que me esqueci do habitual ":P"
      :P

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    3. Ups... e, com isso, fizeste-me esquecer a mim. Toma lá dois, para compensar: :P :P

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