Estar a perder a memória recente é mais ou menos isto: fazes uma coisa e daí a cinco minutos não te lembras se a fizeste ou não. Sabes que tens que a fazer, mas não sabes se esse tens é imperativo ou pretérito imperfeito. Então, voltas a fazê-la, sem saber se pela primeira ou segunda vez. E tens um déjà vu, e achas que te lembras de já a ter feito. Logo a seguir, ficas na dúvida se estás, de facto, a ter um déjà vu ou se já fizeste aquela tarefa. Paras para respirar fundo e não acontece nada, a não ser uma coisa branca.
No entanto, tens memórias longínquas. Por isso, começas a ser fértil em associações de ideias, algumas delas completamente absurdas. Como esta d' Os Marretas.
Às sete da tarde de domingo, sabes perfeitamente o que estavas a fazer há umas décadas atrás, precisamente naquele dia da semana e àquela hora: ao domingo, a partir das sete da tarde, eu debulhava-me. Parecia tomada pelo diabo. Era a hora do cão.
Jantávamos à mesma hora de sempre, cedo, pelas oito, ao som da minha debulha hãããã-é-domingo-e-eu-não-quero-ir-para-a-escola. Acho que não gostava da escola, não porque fosse má aluna, mas porque detestava a professora. Eu era fisicamente muito pequena, por fazer anos no final do ano (isso mantém-se, a pequenez é que se foi), muito magra e muito insignificante. Fazia tudo o que me pediam tão bem feito, tão quietinha, que me tornava invisível pelas paredes da sala de aulas. Isso era confortável e dramático. Senão, hoje não me lembraria como me lembro, nem me acompanharia essa sensação tantas mais vezes do que eu desejaria.
Ao domingo, quando eu já tinha infernizado o jantar à família toda — e, quem sabe, também aos vizinhos —, dava Os Marretas na televisão. E isso servia-me de consolo e indutor de um sono que parecia nunca querer chegar. Havia qualquer coisa de amargo e de doce nessa compensação, mas que funcionava na mesma.
Ontem, eram sete horas, e aquela sensação de fim de festa começou a tomar conta de mim, quando me lembrei que Os Marretas iam voltar. E foi tão doce quanto amarga a recuperação dessa memória, absolutamente intacta, tantos anos volvidos.
É por isso que, ainda hoje, acho que o domingo devia acabar às sete da tarde. Em bom rigor, se pudesse escolher, acabaria às cinco. Ficava logo de noite, noite para dormir, e acabava-se o dia em festa de sonhos.
Assim como a sexta-feira devia acabar às cinco — e o sábado começava a essa hora.
Vejam lá isso, senhores candidatos a governantes. Eu voto em quem der mais.
(A nova porca é adorável. Just saying)
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