25/09/2015

Qual é o que dói mais?

Devia fazer a purga, de uma vez por todas, a ver se me livro disto, livro, livro — livro aberto das minhas mágoas fechadas, uma a uma, trancadas a sete chaves, mas olha, afinal estão todas à mostra.
Vi-te a perda, olhei-te pequena, e não consegui reabsorver-te de volta, mas contigo me encolhi até não sermos nada, de tão ínfimas e íntimas e infinitas e infindas que somos. Pensar que fizeste parte do meu corpo. Sofri-me para aqui, calada, aos gritos na minha escrita, só não queria que me ouvisses. Já bastava teres tu os teus gritos, não ia eu — quem sou eu? — impor-te os meus, ainda que soprados no silêncio.
Tenho pensado nisto, que o sofrimento reflexo é o mais dorido. Claro que, como rainha do drama, tinha que chamar a mim a chaga maior, a mais funda, de todas a mais sangrenta. Mas deixa-me explicar-te isto: tu tens o teu sofrimento contigo e mais nada. Neste mais nada cabe toda a tua perda, gigantesca e transponível (não, não me enganei na falta do prefixo de negação). E eu tenho o meu sofrimento, o teu sofrimento, e o sofrimento de te ver sofrer. São três sofrimentos, todos juntos na mesma pessoa, e isto, parecendo que não, parte-se-me o coração. Não é parte-me. É parte-se-me — há um movimento de dentro para dentro, uma implosão íntima. Evado-me e parto, parto-me eu, fico partida, como fiquei no parto que te fez partir de mim, deixando tu de fazer parte de mim, que era todo, soma das partes, tu e eu — que era eu, cheia de ti.
(Nunca me lembro de ter estado tão bonita.)   
Agora sofro de sofrimento reflexo, que acho que é o que dói mais — por serem tantos sofrimentos numa só dor.
Um dia passa. Mais um dia que passa. 
Um dia parto, de parto sem dor.


Sem comentários:

Enviar um comentário