06/01/2016

Não sei se voltei

Tão estranhas as mulheres: ausentam-se permanecendo, regressam partindo.

Ontem estava assim, azul acinzentado. Acordei cheia de chuva, águas inseparáveis, mágoas maiores. Tolda-me o coração a palavra luto. Luto é a luta, conjugada na primeira pessoa do singular, do verbo lutar. Uma pessoa em luto, luta na primeira pessoa — eu contra eu, eu comigo mesma, numa enxurrada.
Apetecia-me ser invisível, ao ponto de ser apenas um ponto no mapa, assim visto do espaço. Vesti-me de preto e escuro e, à saída de casa, pus a minha gabardine amarelo neon, que se vê no breu da multidão, e eu até podia usar para andar de bicicleta sem reflectores, que até a cem metros me alcançavam, não fora não ter bicicleta para andar. 
Não me aparecia azul-azul, que é o meu tom preferido, em lado nenhum dos meus. Estava tão ciente da necessidade de estrangular as minhas perdas, que lhes acrescentei mais esta. Mais um morto para a minha cruz. Mais um esqueleto para o meu armário — este já vai magro, de tão pouca substância lhe tenho dado. O parvo alimenta-se de porcaria, enquanto lhe dou aquilo que considero filet mignon, que me sai do corpo, mas, sobretudo, da alma. O meu post mais lido de sempre é uma das maiores porcarias que escrevi, o que diz muito de mim. Nem o linko, senão ainda lhe aumento o sucesso. A minha vontade é aniquilá-lo.
No parque de estacionamento improvisado, que é um lamaçal de areia e água suja — uma espécie de praia de Inverno, com mar desfalecido (só mesmo eu, para ver mar naquele lamaçal) —, a mulher que me indica o lugar disse-me, antes de eu lhe dar a moeda:
- Bonita, amiga, hoje, elegante, bom trabalho.
Qualquer coisa me dá alegria, mesmo que seja uma pessoa a quem pago para ser simpática. 
No regresso, chovia água fria, o lenço não lhe protegia a cabeça, e ela queixou-se:
- Não tem chapéu, hoje há chuva.
Vou dar-lhe um guarda-chuva. Dir-me-ão e dir-me-ei: olha lá, é só uma cigana, é só uma romena, é só uma imigrante ilegal, é só uma estrangeira, é só uma estranha. 
Não é. É uma mulher, e apanha demasiada chuva. Não sei se vê azul em alguma das suas horas.



30 comentários:

  1. Anónimo6/1/16

    Espero bem que tenhas voltado...

    :)

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    1. Obrigada :)
      (Nem a ir-me embora sou uma pessoa séria :))

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  2. Olha a Linda! És do CDS tá visto. Minha grande maluca!

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    1. Credo. Só se for a praia, aquela da Caparica!

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  3. Bicicleta??
    Tu também???
    Que praga, credo.

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  4. Anónimo6/1/16

    Por vezes são essas as pessoas que mais vezes vêem azul ;-)

    Beijos

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    1. Olha que, por ti, ainda sou capaz de repensar... :)

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  6. Muito boa decisão !
    Esta chuva deu cabo de ti !
    Dias difíceis ... :) ;)
    Dia azul acinzentado ... gabardine amarelo neon !
    Neon ?

    https://youtu.be/0fujit59g9I

    Fazes falta , LP /LB !
    Sem ti ,não é a mesma coisa !

    Beijo ,
    José

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    1. És tu que és músico, ou sou eu que te lembro músicas a toda a hora?
      Florescente, néon, vai dar ao mesmo. Vê-se a léguas (submarinas e tudo) :)
      Obrigada, José. Isso é muito gentil.

      Beijos

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    2. Escrevi mal no texto e bem no comentário? Típico :D

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    3. Tb não sei.
      Doravante será neônio ( Ne ) !
      Não ligues, LB .

      :)

      E o " plizzz-plizzz " ?

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  7. Anónimo6/1/16

    Muito boa noite. Toquei e atenderam-me. Que bom !
    Beijinhos,
    Mia

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    1. Boa noite, Mia.
      És sempre bem vinda, e tens a porta aberta, mesmo quando não há luz dentro de casa!
      Beijinhos

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  8. Não te podes ir embora porque se fosses onde é que eu ia sorrir?

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  9. Até ela consegue ver o azul, mesmo tendo muitos dias de luto.
    Pensa que amanhã será melhor.

    É bom ter-te aí.

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    1. Certamente. Diz quem sabe.

      Obrigada, Ana Paula. Também é muito bom ter-te aqui.

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  10. Bom, hoje vou comentar :)
    Não vás, a chuva baralha-nos o esquema mas vai passar e o sol vai voltar ;))

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    1. Ora bem, acho isso perfeito :)
      Tem que voltar, que isto assim é uma neurite :)

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  11. Para mim, tu és azul néon! Vejo o teu brilho nas tuas palavras, sejam elas uma brincadeira pegada ou um texto profundamente terno, como os que escreves sobre a tua mãe.

    Beijos, muitos, Linda linda. :)

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    1. Que bonito, Maria Poesia :)

      Beijos para ti, muitos :)

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  12. Ainda bem que foi uma decisão irrevogável!

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