24/01/2016

A propósito das presidenciais

[bem, pus este título para atrair freguesia. E sempre dou a entender, a quem se limitar a lê-lo, que sou uma pessoa extremamente actual. 
Afinal, sou uma blogger, ou sou um rato? (Poupai-me à piada fácil, que eu também já a fiz.)
Onde é que está o gato?]

Hoje acordei com esta dúvida a assaltar-me, à mão armada, como todas as que me assolam o espírito, o corpo e sei lá se não também os fantasmas que tenho trancados no sótão — ou isso são os macaquinhos? Pois, os fantasmas é no armário, não, espera, isso é com os esqueletos, ou então aquela da libertação sexual —, tudo isto por causa dos retratos que se tiram por aí a torto e a direito, mais torto que outra coisa, que de Direito não têm nada, nem obra de engenharia, é tudo a disparar em todas as direcções, atiradores furtivos, que até mete medo ao susto, ou a darem o corpo às balas, que é como quem diz às selfies.

Dantes, a minha bisavó, por exemplo, sentava-se numa poltrona de veludo e o fotógrafo tirava-lhe o retrato a castanho e branco. Ela não sorria, e se era linda, a minha bisavó. Atrás, em pé, o meu bisavô. A minha avó também não sorria, e se era linda a minha avó. Foi fotografada em estúdio, ao lado do meu avô, numa montagem feita pelo artista, que já dominava o photoshop muito antes de ele ter sido inventado, e até foi capaz de colocar os meus avós lado a lado, no retrato como na vida, com a mesma idade e tudo, distanciados que eram em catorze anos um do outro. O meu pai e a minha mãe foram fotografados juntos e um ao outro, um pelo outro, nas fotografias como na vida, e sorriam ambos, e se eram lindos, a minha mãe e o meu pai, e o sorriso era ao outro, era para o outro que sorriam quando apareciam nas fotografias lá deles, tanto naquelas em que apareciam os dois, como nas outras, em que apareciam sozinhos. Nesse tempo, as pessoas sorriam para o fotógrafo, mesmo que ele não fosse um profissional. Não era preciso dizer "Olha o passarinho", era só preciso gostar da pessoa que nos tirava a fotografia, ou daquela a quem íamos oferecê-la. Eu própria tenho muitas fotografias a sorrir, porque o meu pai mas tirava, só que vá-se lá perceber porquê, a fotografia mais bonita de toda a minha vida é uma em que eu ainda nem devia ter feito cinco anos, estou junto ao mar, de cócoras, e tenho o queixo pousado num joelho, mas não estou a sorrir.
Quando apareceram os telemóveis com câmara, as pessoas perderam a cabeça (quase literalmente), viraram aquilo na direcção das suas caras e pum-pum-pum, o horror. Sorriam muito, porque sorriam para si mesmas, o que as devia desinibir, libertar de medos de entrega, ou sei lá que outras psicologias várias, que envolvam fantasmas, macaquinhos ou esqueletos. Teremos, eventualmente, uma geração inteira de caras sorridentes, cujo antebraço será uma das principais figuras de todos os seus álbuns, se algum dia chegarem a fazê-los. Eu própria cheguei a tirar algumas, mea culpa, espalhando o meu sorriso ao longo do meu braço, mea tão grande culpa. 
Não teremos, não. Inventado o selfie stick, aumentada a distância de disparo para além do tamanho de um braço, surge agora uma outra geração, cujos registos apresentam, de canto, indisfarçável porque nem essa preocupação existe, o vestígio do stick. E, invariavelmente, um sorriso — completo, sincero, artístico — para o pau.


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