28/01/2016

Ela fala tanto # 6

Estou de mala no braço, à blogger, e com a mochila do blue portátil ao ombro, à intelectual de esquerda, mas em chique, do mais féchonerer que se possa imaginar, no outro braço o sobretudo preto, que faz de mim a gaja mais gaja do meu perímetro, mormente cefálico, ou seja, vê-se claramente que estou pronta para sair de casa, pois o dever chama-me "Ó ai ó Linda", paro diante dela, digo-lhe até amanhã (camarada), e diz-me ela assim para mim: 
- Já sabe quando é que me dá férias? É que, lá na firma, não param de me chatear com isso.
[Ela trabalha numa firma, portanto.]
Estamos em Janeiro. Ela quer saber quando é que eu lhe dou férias. Eu só quero sair para ir ganhar o nosso pão de cada dia. A côdea, vá. Seca, bolorenta, mas que importa, se estou artilhada como se fosse enfiar-me numa multinacional, cheia de ares condicionados e descondicionados, a dar ordens e a fazer birras? Arregalo os olhos, e, numa tentativa de a surpreender mais do que ela a mim, deslargo:
- As duas últimas de Julho e as duas primeiras de Agosto, ou a última de Julho e as três primeiras de Agosto, ou as quatro de Agosto, ou a última de Julho e as duas primeiras de Agosto e guarda uma para o Natal, ou as três primeiras de Agosto e guarda uma para o Natal, ou as últimas três de Agosto e guarda uma para o Natal... ou prefere Setembro?
Ela, muda. Pensei que tinha conseguido o curto-circuito no sistema dela.
Impossível.
- É que eu tenho problemas lá com o chefe, que está sempre a embirrar com a marcação das férias, agora já não quer três semanas seguidas, e mesmo duas, parece que lhe custa, porque há lá uma que anda sempre a emprenhá-lo pelos ouvidos, e marca as férias dela quando quer, sem perguntar nada a ninguém se lhe dá jeito, não sei lá que raio de choradinho é que ela lhe fez, que o homem é todo mesuras para ela, e ela não faz nada, passa os dias a olhar para o ar, sem fazer nada, parada, ou a conversar, e a mim, manda-me aos recadinhos, agora é bolinhos, agora vai buscar águas, agora vai ao arquivo, e ela ali, de madame, sem fazer nenhum, eu não aguento mais, farto-me de trabalhar, e ela não faz nada, parece mentira, não faz nada...
Parada. A discursar. No local de trabalho. Sem fazer nada, para além de dar à matraca.
E eu, parada, sem fazer nada, para além de a ouvir dizer que a outra não faz nada. 

Passou directamente para a minha galeria de SAMNMSUED (só-a-mim-não-me-sai-um-emprego-destes), ex aequo com D. Ana Maria, a secretária do escritório onde eu fiz estágio, que passava os dias a correr o corredor — passe o pleonasmo —, de mãos na cabeça, a gritar "Não tenho tempo para isto!".

4 comentários:

  1. Nós já tivemos de marcar férias há um mês quase.

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    1. Mas eu sei que é assim, e quem sou eu para não perceber? Só não entendo que qualquer assunto seja assunto para uma pausa. Qualquer dia, começa a fumar :)

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