Ia a sair do carro quando ela passou. Alta, loira, cabelo comprido, com jeitos de onda, corpo a escopro, vestido esvoaçante, saltos altos, andar de gazela. E um sorriso contagiante, contagioso como uma doença benigna, de uma esperança certa, de um hoje bom, de um amanhã melhor. Tão jovem, tão fresca, tão bonita, tão plena de viço e brilho, tão extraordinária, tão rara.
Deslumbrante.
E — não mas — cega.
A acompanhar os saltos altos, as pernas perfeitas, a brisa do vestido, a bengala.
A acompanhar a bengala, incerta, os passos dela, certos, no passeio da avenida de calçada portuguesa, altos e baixos de cubos desencontrados, dir-se-ia que a conduzir a bengala, cega, e não o inverso. Passos formosos, seguros, e o sorriso, sem queixa ou traço triste.
Um qualquer indicador lhe segredou que tentava empurrar a porta errada — do banco, já fechado —, e vi-a, claramente, dar uma gargalhada arrebatada do seu próprio engano.
Veio colocar-se atrás de mim, na fila do multibanco, feliz.
E eu muda, a receber as últimas gotas de uma lição de vida.
Devia ter-lhe dado prioridade de passagem?
Devia, pelas leis dos Homens. Mas nem sempre consigo reger-me pelas regras dos códigos e dos diplomas. Já há três minutos que a conhecia, e não lhe encontrava defeito nem mácula. Imperfeita eu, falha e insuficiente, se lhe desse passagem na fila. À integridade da perfeição dela não faltava absolutamente nada — nem sequer uns olhos lindos.
Um texto muito bonito escrito com muita sensibilidade. Penso que a LP conhece a razões. E eu sinto no seu acanhamento, na sua atitude tanta delicadeza, tanto respeito. É nessa hesitação entre oferecer ou não a prioridade que reside também, afinal, o respeito pela dignidade do outro.
ResponderEliminarUm beijinho
Conheço sim, Miss Smile. E sim, vejo que compreendeu a minha atitude — transgressora à regra, é certo —, mas que, caso lhe tivesse cedido a passagem, seria agressiva e inoportuna, eclipsando a igualdade em que nos encontrávamos naquela fila. Nem ela o merecia, e nem eu, pois iria colocar-me numa aparente vantagem que seria, afinal, de uma grande inferioridade para mim e nenhuma vantagem para ela.
Eliminarque descrição LP, visualizei como se lá estivesse. o teu uso da língua materna é de topo. parabéns.
ResponderEliminarÉ fácil, Mia, descrever verdadeiras obras de arte que nos adentram os olhos, quando menos estamos à espera - olha, Av. 5 de Outubro, 18 de Maio de 2015, 18:30.
EliminarObrigada :)