14/05/2015

in + cesto

Incesto, do latim — in + castus, incasto, impuro, ou in + castus (corte), aquele que ainda não fez o corte, ou a separação entre parentes.

De uma forma menos literal e, por isso, mais literária, incesto, quando me recordo da história daqueles dois pássaros, soa-me nos ouvidos, nos olhos e na memória, in + cesto, in, preposição de lugar na língua inglesa (esquecendo o sufixo negativo da língua portuguesa, pese embora me seja tão cara) + cesto, exactamente, literalmente, cesto, ninho, berço, leito de bebé, feito de verga. 

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Nasceram na mesma casa, frutos da mesma barriga, sementes da mesma fonte. 
Era uma casa em madeira, com telhado de chapa ondulada, não era muito engraçada, não tinha tecto, não tinha nada. 
Não tinha tecto, não tinha nada — nem paredes, nem portas, nem camas a preceito, dormiam seis onde o corpo encostava, que era, as mais das vezes, encostados uns aos outros, e eles os dois encostados um ao outro, em acolchoados rejeitados, recuperados da sobra dos contentores da cidade, usados até à morte de algum casal, ou à agonia de um casamento. 
Aves do mesmo ninho, de ninhadas diferentes, dezassete anos ele, dezasseis ela, mais velhos de uma irmandade de seis, pai e mãe desaparecidos do radar desde a tenra idade em que, juntos e sozinhos, acompanhados por mais quatro bocas desalimentadas, despidas e descalças, se fizeram à vida para darem vida aos irmãos, a quem os pais haviam dado aquela vida. 
Despertavam o corpo pela madrugada, e foi numa dessas madrugadas que os corpos dos dois despertaram um no outro, pai e mãe daqueles irmãos, marido e mulher sem namoro nem pedido, casando sem autorização parental, amantes virgens da pureza cravada no corpo que só conhece o corpo do outro. 
Apareceram no serviço de psiquiatria, assustados e aflitos, tidos como pervertidos e proscritos, expulsos pelas regras ditadas por um bairro incasto, selva de lata, cólera e rixas. Inocentes de palavras que defendessem o seu crime, limitaram-se, usando as suas, a pedir clemência para a intenção de casarem, de se casarem, um com o outro, um ao outro, um no outro, confirmando o casamento acontecido e celebrado no colchão rejeitado, mas agora segundo as regras dos homens direitos, fazedores das leis dos direitos, e seguir a vida a direito, segundo o Direito, os dois, direitinhos. E juntos, incapazes de projectar futuro devotados a outro corpo que não àquele que conheciam desde o berço —  in cesto — , desde a génese.
Recebeu-os uma psiquiatra, acolhendo-os, recomendando-lhes apenas que se inibissem de procriar, por razões eugénicas relacionadas com a saúde dos filhos. Ambos sorriram, apaixonados e cândidos, diante da perspectiva feita impossibilidade de aumentarem uma prole que contava já quatro dentro do ninho. Abandonaram o gabinete de mão dada, rumo às palavras de um padre sábio que, coibido de confirmar aquele casamento há muito consumado, saberia, certamente, orientá-los no voo rasante às regras dos homens, que praticavam todos os dias.

Nunca mais soube deles, nem preciso, porque sei-os no mesmo voo, casados e felizes, sobre o lar que construíram, seja ele em madeira e chapa ondulada, em cimento ou em verga, como um berço, um ninho — um cesto.

4 comentários:

  1. E eu a pensar que ía ler um post sobre basket :P

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    1. E não é?
      Eu, pelo menos, quando pus o título, era no que estava a pensar.
      Devo ter-me distraído do assunto. Típico.
      :P

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  2. Escreves com arte, LP. Sei-o todos os dias e todos os dias o penso. E será sempre o que acabo por te dizer, porque me falta o resto.

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    1. Já dizes muito, querida, mais do que eu mereço.
      Obrigada, ainda assim.

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