03/05/2015

A despropósito do dia de hoje

Está, a cada dia que passa, mais bonito. Não faltará muito para desaparecerem todos os vestígios de um bebé que já não é, deixando-me apenas ficar, à laia de doce e cruel recordação, o perfil dele, enquanto dorme - inalterado desde o berço -, o cheiro, e a profundidade do olhar. A voz já mudou, confundindo-me quando chega da rua - obrigando-me a fazer um esforço, para o qual estou incapaz, para perceber quem é o homem que entrou em casa àquelas horas -, as pernas mudaram, os braços mudaram. E aquele buço-bigode, a precisar de lâmina de tempos a tempos, cada vez mais curtos entre si.
O amor não mudou.
Em pequeno, corria atrás dele pela casa, Foge, que eu te vou dar uma carga de beijos! E corria ele à frente, a fingir que o mais que podia, para se atirar para a cama, para um tapete, para um canto, onde sabia que eu o alcançaria, cheia de braços de abraços e beijos, Vou-te beijar sem parar!, Não, não, beijar sem parar, não!, sujeitava-se assim à tortura beijoqueira e ria-se todo, até perder o ar todo, Mais beijos não!
O amor não mudou.
Agora, olhamo-nos de frente, não faltará muito para desaparecerem todos os vestígios do rapazinho que já não é, e para ser eu a olhar para cima, Olha lá, hoje já te enchi de beijos?. Ele já não corre à minha frente, mas faz uma fuga igualmente fingida, encolhe-se todo, quieto, à espera dos meus braços de abraços e beijos, depois são os dele que se abrem, a reclamar, falsamente incomodado, Não, não, beijar sem parar, não!, e enlaçamo-nos, descarados e eternos. Ouvimos o som dos meus beijos a estalaram-lhe na cara e no cabelo, foguetes de alegria e festa, e, por pouco, não ouço eu ainda as gargalhadinhas de três anos, de seis anos, de oito, a rir-se todo, até perder o ar todo.

- Vou ali para cima jogar à bola com os meus amigos. Levo dez euros para o meu almoço.
- Dez euros? Mas vais almoçar onde? Ao Gambrinus?
- Sabes que nós somos rapazes, comemos o dobro do que vocês comem...
- Olha, e o bigode, quando é que rapas, rapaz? Já está a precisar outra vez.
- Não é agora.

E sai, direito ao sol dele, cheio de vida, bola na mão, buço pendurado, deixando-me a mim, a irradiar dele.
O amor não mudará.

5 comentários:

  1. Que coisa mais linda :)

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  2. Cara Linda,
    É isto tudo. Assim mesmo. E uma carga de cócegas. Mais não, que eu não aguento rir tanto.
    Boa noite,
    Outro Ente.

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    1. Caro Outro Ente,
      Ninguém aguenta, na verdade - é amar até rebentar. Uma explosão muito saborosa.
      Boa noite.
      Linda Porca.

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