10/05/2015

Giselle, ma belle

Fui ver ballet. Giselle. Mesmo que não conhecesse já a história, o médico da cabeçada na parede armou-se em spoiler e, enquanto eu marrava nos muros dele, contou-ma toda, tim-tim por tim-tim. Maneiras que cheguei lá cheia de descuriosidade.

Foi no Teatro Camões. Nunca lá tinha entrado, mas é giro. Ia munida de uma bailarina, que gosta tanto de azul como eu, mas detestou o edifício. Eu gostei, lembrou-me os legos que não fiz (eu era mais bonecas, a outra é que se punha nessa das construções). Mal lá cheguei, avistei o Paulo Pires, pelo que fiquei com a sensação que já me podia ir embora, uma vez que o espectáculo estava mais que visto. Melhor do que aquilo, impossível. No entanto, sentei-me.

Ficámos na primeira fila, que é tipo a piltra, da visibilidade reduzida (é que são mais baratos, não sei se deu para perceber), mas vimos tudo na mesma. E ficámos com a orquestra mesmo à nossa frente. Eu, pessoalmente, fiquei com o rapaz dos drums diante de mim, o que me fez esquecer imediatamente o Paulo Pires e também o conceito de visibilidade reduzida. De entre outras coisas, aprendi que os tambores ganham cheiro, à medida que são utilizados por aqueles pauzinhos com bolas nas pontas — e ele usava-as aos pares —, porque o tamborileiro cheirava-os de onde em onde. Também me chegou o cheiro ao nariz, ponderei mesmo a possibilidade de lhe oferecer ajuda com o meu minúsculo, porém prestimoso, não fora estar ainda entupida dos plátanos e arriscar deslargar um nico de ranha nhanhosa para cima dos tambores dele.

Foi pela nossa Companhia Nacional de Bailado e, para quem já viu mais ballet ao vivo do que taekwondo (não me lembrei de melhor comparação, tá?), estes são mesmo bons. Nem um passo em falso, nem um deslize, nem uma queda. O corpo é composto por trinta pessoas, assim como a orquestra. Nem uma nota ao lado, de uns ou de outros. Achei eu, que não pesco nada daquilo. Mas a bailarina que me acompanhou esclareceu-me que não se devem ouvir os passos de pontas das bailarinas (e ouviam-se, quando a orquestra não estava a tocar), que são os chamados cascos de cavalo, lá para elas. Por mim, até podiam ter relinchado, que eu achava bonito na mesma.

O querido da Giselle (Albrecht, o nobre) é um bailarino japonês, o que me baralhou deveras, pois quase me transportou para Madame Butterfly. O outro campónio, que também gosta dela, mascarou-se de Robin Hood, mas, fora esses pormenores de somenos, que se prendem mais com a minha desatenção do que com erros de casting, esteve tudo perfeito. Nunca fui muito à bola com a malha dos bailarinos homens, acho que era de bom tom porem ali qualquer coisa a disfarçar as coisinhas (uma coquilha anatómica, como nos desportos de combate, uma mini-saia, um aventalinho...), fica ali uma proeminência concupiscente que desfoca a pessoa do bailado e assim. 
Na segunda parte, também perdi a Giselle, porque, como estão todos mortos, e ela anda para lá vestida de igual às outras dezanove noivas enganadas, todas iguais, deixei de perceber qual era ela, mesmo andando a dançar com o japonês. Ainda me fez lembrar O Noivado do Sepulcro (sou demasiado culta, tudo me evoca tudo). E também não percebi como é que ela morre, para poupar da morte o amado, se já está morta, e se de morta já não passa. Hei-de telefonar ao Théophile Gautier. Aproveito para lhe dizer que gostei muito.

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