27/05/2015

e-ternamente

Frágil e miudinha como uma menina, não fosse a vida avançar ao contrário e ter ficado velhinha ao fim de tantos anos de permanência. Estava sentada na poltrona de sempre, sempre vai variando, uns dias fica numa, outros dias numa outra. Vi-lhe a saia cor-de-cobre, as pernas magras e muito branquinhas, à mostra, cruzadas, brilhantes. 
O meu pai tapava-lhe as pernas na praia, com medo que se queimassem, com medo que lha levassem,
Boneca, as tuas pernas estão a brilhar demais.
E ela deixava, por saber que ele não sabia que ninguém a levava dele, mas não lhe dizia nada.
Esta saia tem uma blusa igual. — disse-me, quando lhe gabei a beleza da saia e lhe perguntei se ia a alguma festa.
Essa saia — metade de um vestido de festa — foi de um casamento, há muitos anos. 
Era dia de branco e engalanámo-nos bonitos. O meu pai estava com um fato novo, que havia de vestir eternamente, um ano depois.
Com o mesmo fato demos o braço e atravessámos a nave, amparados. Com o mesmo fato o vi tão imóvel que fiquei morta e desamparada, porém grávida. Era dia de preto.
Mostro-lhe a fotografia onde estão os dois, o fato e a saia.
Usou-a naquele dia, porventura nunca mais, até ao dia em que o meu pai voltou a vestir o fato bonito e ela se vestiu de preto eterno, até se esquecer de ficar.
E foi-se, agora que já não veste as saias pretas.
(Assoma-me um pensamento que me assombra — que ela vista aquela saia eternamente)
Observa a fotografia por muito tempo, tanto quantos os anos que ela tem.
Quem é esta giraça, mãe?
Ri, por reflexo, porque gosta de mim, porque ouve um calão, porque não quer errar na resposta — que não sabe dar.
Não se vê.
Caem-lhe os olhos na imagem do meu pai e vejo-lhe a mãozinha miudinha segurá-los, para não lhe rolarem pela cara, direitos ao peito de menina.

8 comentários:

  1. Anónimo27/5/15

    Pontas dos dedos embargadas. É o que posso dizer.

    Abraço

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    1. Que lindo comentário, JM. Obrigada.

      Outro

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  2. Delicadeza, amor e muita ternura.

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    1. São os meus pais, querida.
      Ainda me custa perceber que esse plural já não existe e que o presente do indicativo ainda menos.

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  3. Cara Linda,
    "Até se esquecer de ficar". Gosto mesmo muito destas suas tiradas.
    Boa tarde,
    Outro Ente.

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    1. Caro Outro Ente,
      Tão estranhas as mulheres: ausentam-se permanecendo, regressam partindo (António Lobo Antunes, in Dulcinha). E fazem-no assim, sem aviso.
      Boa tarde.
      Um beijo,
      Linda Porca.

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  4. Anónimo27/5/15

    LP, não consigo dizer nada, e gostava, muito.
    Beijo muito grande!
    Mia

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    1. Mas dizes, Mia, dizes sempre.
      Outro, assim grande, também, para ti.

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