Não se percebe (este tempo?)

Já outro dia vi uma mulher de sobretudo, imitação de carneira, forro de peluche branco, e sandálias nos pés. Mas, como estava na loja do arranjo de meu chico-smart, e havia entrado na quinta dimensão há mais de uma hora, a visão daquele casaco + aquelas sandálias + aquelas unhas de gel, compridas, rosa-bebé + aqueles anéis xxl nos dedos indicador e polegar + aquelas sobrancelhas tatuadas + sei lá o que a minha vista não alcançava, nada me pareceu mais fora de contexto do que eu própria, naquele local, há tanto tempo.

Mas acabo de ver uma outra mulher, de blusão de pele, e sandálias nos pés.

O que é que se passa, minha gente? Terão algumas mulheres decidido que, como o tempo não se decide, decidem-se elas por ele, baralhando, baralhadas, numa mesma indumentária, as estações do ano? Serão as mesmas do discurso este-ano-nem-tivemos-Verão-não-se-percebe-este-tempo-em-Outubro?

Vinha eu para aqui, que é onde acabo por desbobinar quase tudo o que me vai no neurónio, e, por acaso, deu-se o caso de olhar para dentro, que é o que faço quando o que há lá fora me intriga ou atormenta, ou, melhor dizendo: olhei para mim. Lembrei-me do que tinha vestido no outro dia, olhei para o que tenho vestido hoje, e pensei: vestido/saia de malha de lã + sapatos fechados - meias — uma pessoa que ainda anda sem meias em Outubro é menos esquisita do que uma que ainda anda de sandálias, para arejar do sobretudo? Olha, não é. Portanto, se, antes de criticar e condenar, olhar para o espelho e aceitar que, em mim, também pode existir algo de estranho, é, desde que não se entranhe, um bom exercício de compreensão das idiossincrasias de cada um. 

(A propósito, como é que conseguem? Agora a sério, expliquem-se lá: collants, em Outubro? Ando farta de ver passar pernas de collants pretos. Há algum truque para não ficarem suadas até às orelhas, ou isso é mesmo assim?)