22/10/2015

Campo minado

Ando com muita dificuldade em expressar-me e em exprimir-me. Espremo-me e quase me esperneio, mas sem resultados. A geração a que pretendo levar a cabo a criação e, já agora, a educação, não aceita nem entende o meu ponto de vista, ou, pelo menos, todos eles. Às vezes, nem eu. Foram muitos séculos de educação judaico-cristã.
O meu vizinho do primeiro andar a contar vindo do céu está desempregado há dois anos e fez-se vendedor de uma mediadora imobiliária. Eu sei que ele é uma pessoa com preparação para outro escalão de ordenados, já passou dos 50 e tem uma excelente figura. Quando surgiu o panfleto com a cara e nome dele na caixa do correio, tive pena. Não sei chamar outra coisa ao que senti. Trata-se de uma saída válida, todos os trabalhos são dignos, em tempo de guerra não se limpam armas, qualquer coisa é melhor do que estar desempregado, toda a gente tem o dever de saber ajustar-se, e beca-beca. Mas não consigo deixar de pensar na quantidade de feridas abertas, vidas destruídas de, pelo menos, três gerações — queimadas —, que esta crise vai deixar para trás, se é que algum dia se irá embora daqui. Os projectos, os sonhos, as expectativas e muito do que já haviam conquistado, simplesmente desfeitos, como aquele pó fininho que fica das obras, que se mete pelo nariz, pela boca e pelos cabelos, mas não se vê e nem memória guarda, a não ser um incómodo daqueles que só nos assalta de onde em onde.

- Tenho pena deste homem. Não deve ser fácil começar alguma coisa agora, e por uma questão de necessidade. Ser o sustento de uma casa e depois estes dois anos...
- Mas porquê o sustento de uma casa, se ele tem mulher?
- Porque ele é o homem, e... eu sei que o que vou dizer é extremamente machista, mas...
- Olha, pára, que já vais começar a entrar em campo minado.

Mesmo sabendo que nada neste raciocínio bate certo, mesmo fazendo um esforço por sair da caixa cerrada que é a tal educação judaico-cristã, ainda assim, parece-me sempre mais trágico quando é o pai que não trabalha. Talvez porque consigo pôr-me na pele dele, que terá recebido uma educação muito semelhante à minha. Ou talvez porque sinta na primeira pessoa todas aquelas lutas interiores por que ele estará a passar neste momento.
Tenho pena deste Homem.
(Até de mim, não homem, tenho pena.)

4 comentários:

  1. Tenho pena de todos os Homens que sentem a crise na pele e não conseguem, por mais que tentem, colocar comida na mesa.
    (Continua a espremer-te... corre sempre muito bem :P)
    Beijos LB

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    1. Já são demasiadas fomes.
      (Olha quem fala. Obrigadinha :P)
      Beijos, Imp.

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  2. Querida Linda Blue,
    É sempre muito trágico quando um pai não trabalha. (Já ouvi dizer que as mães são as culpadas da educação machista dos filhos... Mas, tratando-se de uma educação "judaico-cristã" fica tudo sanado.)
    Bom dia,
    Outro Ente.

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    1. Querido Outro Ente,
      A falta de trabalho é trágica em qualquer circunstância. Há muitas mães sozinhas, muitos pais sozinhos. (E é uma luta constante com os nossos preconceitos, aquela que travamos todos os dias.)
      Um dia feliz,
      Linda Blue.

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