Não penses tanto, sente mais

Sempre achei que as coisas são o que têm que ser. Não porque acredite em predestinações, em livros da vida pré-escritos, e sim porque ela, vida, obedece a uma lógica matemática da qual é muito difícil fugir. Acho que foi por isso que nasci no Outono. Sendo, como é, a estação mais triste do ano, de todas a que menos gosto, é a minha — a que me traz as castanhas, os dióspiros e as tangeras verdes e ácidas, de que eu, esses sim, gosto até ao limite, só não da náusea por me ser impossível enjoar deles. 

Tinha o cesto carregado de fruta, já com as tangeras, mas ainda a olhar de lado (de soslaio, não, que não há soslaios para as nossas bem querenças) para as castanhas, pedi à rapariga que me estava a servir a fruta, 

Por favor, faça-me uma caixinha com dois dióspiros e uma outra com um, para levar à minha mãe. 

Trata-se de uma pessoa que desconhece, em absoluto, a situação da minha mãe. Impávida, colocou dois dióspiros numa caixa e um só numa outra. Pesou-os juntos, pôs o preço dos três na caixa maior, e etiquetas brancas a fechar a mais pequena, sem preço. Estendeu-ma, dizendo
Esta é para a sua mãe.

A delicadeza é um sentimento. Como tal, ou se tem, ou não. Não há ensinamentos, manuais ou colégios que ensinem algo que é puramente instintivo e espontâneo. E que nunca depende nem do grau de ensino nem do nível cultural em que a vida nos colocou.