21/10/2015

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 29

Passei por ali e estavam as duas a conversar. Ou melhor, uma escutava, enquanto a outra ensinava (já vão perceber o itálico). Claramente, avó e neta. Uma avó vulgar, como as avós de agora (já não se fazem avós gordinhas e de pés inchados, que nos ensinavam a fazer tricô e nos conheciam todas as manhas pelo timbre e pela entoação, avó-óó... Acho que já nem titis se fazem — eu tive uma titi que foi a maior escola de lavores femininos, cozinha e doçaria e artes que alguém, com um mínimo de alma de artista, pode aspirar ter. A minha titi foi a última peça da fornada das titis perfeitas). As avós de agora são modernas, magras, usam o cabelo curto e algumas até trabalham. Outras fumam. Qualquer dia, tatuam-se.
Pensando bem, esta era uma avó muito invulgar. Retiro o que disse ao início. 
A neta era uma menina vulgar, igual a todas as netas do mundo, mesmo aquelas que se faziam dantes (eu também fui assim, por isso é que sei). Tinha uns três anos, ainda toda refegos de bebé, cabelos escuros encaracolados, bochechas de anjo renascentista. E estava parada — paralisada.

- Estás a ver? É um coelhinho. Não parece, pois não? Mas é, só que está sem pêlos. Foi esfolado.

(Perceberam o itálico?)

Acho que adormeci e desatei a ter um pesadelo, assim, sem aviso. Nele, a bruta prosseguia a patológica lição de anatomia patológica com a comparação com os gatos. 

- Estás a ver? Parece um gatinho. Mas não é, é um coelhinho. Tu gostas mais de gatinhos ou de coelhinhos? Nós comemos os coelhinhos, mas não comemos os gatinhos... só comemos os gatinhos se o senhor do talho nos vender gatinhos em vez de coelhinhos. Chama-se a isso gato por lebre.

Então eu interferi, intercedendo. E já ia explicar a diferença entre gatos e lebres.

Depois acordei e já estava longe, na outra ponta do território continental, a bruta eclipsara-se pelo chão abaixo, sugada pelo Hades, e o anjo dos caracolinhos e dos refegos, afinal, tinha ensurdecido por momentos e não tinha ouvido nada do que a avodrasta malvada lhe tinha dito.
~

De uma vez por todas: não há como confundir um gato com uma lebre ou um coelho, mesmo que esfolados. Começa pelo formato da cabeça e pela colocação dos olhos no crânio. Mas, se dúvidas houver, vá lá mais uma achega: os gatos não têm incisivos à frente (têm micro-dentes), e os dos coelhos são tão visíveis que até de boca fechada se vêem. 
Ninguém come um gato se quiser comer um coelho.
(Parece que nada me soa bem, ultimamente.)

8 comentários:

  1. Cruzes, canhoto, saracanhoto!!

    Beijos, Lindinha. :)

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    1. Let's traumatize our children!

      Credo, com avós destas...

      Beijos, Marioca :)

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  2. ai minha nossa...eu flipava se ouvisse uma conversa dessas.

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    1. Coitadinha da criança. Não me admiro que haja para aí tanto maluco.

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  3. Anónimo22/10/15

    Bem feito foi engolida pelo Hades.
    Bom dia Linda.
    Beijinhos,
    Mia

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    1. Pelo menos no meu sonho, foi. E esturricou-se para lá no caldeirão.
      Bom dia, Mia :)
      Beijinhos

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  4. N tenho esse problema, n como nenhum deles :) (tenho pena do coelho, true...)

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