14/01/2015

... e depois?

Estou sem tempo, mas gosto tanto de vocês que venho cá na mesma. E com um post dos grandes (ora pega). Este é copiado de outro blog que tive, do qual tenho muitas saudades. Sim, eu sei, mas a anormalidade dá-me até aí: até de coisas, incluindo imateriais, tenho saudades. Sou portuguesa, não sei se já revelei este grande segredo aqui alguma vez.


A mim cremem-me, se faz favor.
Pronto, está dito. E escrito. Vou mandar este pedido a quem possa ver-se obrigado a  tratar do assunto mal eu dê o peido mestre, que é como se chama o acto de finar já desde os tempos do terramoto de Lisboa, que ocorreu pouco antes de eu nascer.
Não é por nada, mas a ideia de oferecer um bonito cadáver à bicharada chateia-me sobremaneira. Ainda que o salto se dê em avançada idade, em termos de avanços chega, e eu não quero chegar ao ponto de entrar em avançado estado de decomposição. Escurecer, ficar sem olhos e o cabelo espetar irremediavelmente, mal preso da caixa craniana. São tudo pormenores aos quais uma pessoa, que passou uma vida inteira a preocupar-se minimamente com o estado das unhas, liga.
Ponham-me lá no forno a tostar e recebam as cinzas num recipiente, que pode ser de plástico (metal não, que eu sou alérgica e ainda explode) ou de porcelana, consoante se morri de morte feliz ou de morte parva. As pessoas felizes não se prendem com ninharias e estão-se borrifando para a embalagem. Até porque as minhas cinzas não são para ficar lá muito tempo. É tudo para espalhar. Qual mar, qual carapuça. Eu adoro o mar, mas não me apetece boiar toda a eternidade ao sol. E misturar-me com limos, espuma do detergente dos barcos e chichi. Façam-me adubo de uma árvore de fruto. Ainda que tenham que me misturar com estrume de vaca. Pode ser macieira, que eu não sou esquisita. Laranjeira não. Apesar de ser a minha fruta favorita, para além das outras todas, é sinónimo de pureza, e essa perdi-a desde sempre. Espalhem-me aos pés de uma árvore bonita, que dê flor, e que seja frágil como um arbusto e forte como um rochedo. Pode ser a amendoeira, pode. Se sobrar algum pó cinzento, espirrem-me por um penedo abaixo. Ou snifem-me, com outro pó menos negro.
Só mais uma coisa: evitem chorar, como pediu Evita. Também não é preciso desatarem a rir às gargalhadas, porque o eco das minhas levo eu comigo. Nem é preciso porem a tocar requiems nem a minha música preferida, porque eu não sou estadista nem estrela de rock and roll. And didn’t live my life like a candle in the wind. Basta que ponham um som porreiro, sem exageros de decibéis. A banda sonora do filme “Spirit Stallion of the Cimarron” – eu sei que é um filme infantil, com bonecos, que fala sobre a amizade e em que o protagonista é um cavalo, mas - serve perfeitamente. Enfim, quase toda. Retirem “Get out of my back”. Não se coaduna. Nem com o momento nem comigo.
Estou convencida que não me espera um lugar no céu. Ando farta de pedir a quem manda que não me faça essa desfaçatez. Entre ter que aturar anjinhos no meio das nuvens a tocar harpa todo o dia e ir para os fundilhos apanhar calor, rir e cantar ao pé da encarnada criatura, fico-me pela segunda. E ai de quem interceda em meu favor, com rezas e missas a pedir a minha redenção, que eu venho cá puxar-lhe os pés à noite, durante o melhor sono, ou a melhor parte do que estiverem a fazer na cama.

Não tenham pena de mim, nem por mim, porque eu vou daqui cheia de gozo.


8 comentários:

  1. parabéns pelo blog ;)
    Se quiser visitar: http://cronicashomer.blogspot.pt/

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    1. Obrigada :)
      Vou lá, claro. Vou sempre que me aparece alguém de novo...

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  2. Ohhh, tb ando com a ideia de resgatar posts antigos de outro blog meu (super, hiper, mega-famoso, agora é que vivo no anonimato), mas sentia-me assim um bocado totó e saudosista. Mas faz todo o sentido, não faz? :D

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    1. :)
      Eu também vivo agora mais no anonimato do que naquela altura.
      Faz isso, os textos são teus, nem sequer tens que pedir autorização a ninguém. Claro que faz sentido! :)

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  3. Anónimo14/1/15

    Linda Porca, já eras Linda Porca quando escreveste isto, um pouco depois de 1755?
    És portuguesa? Bem me parecia ... :-)

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    1. Hah, queres saber muito... então eu não digo que era de outro blog? E que era menos anónima do que este (na resposta à Ana das Pontas). Agora dava "o ouro ao bandido" :P
      De gema! Nota-se muito?

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    2. Anónimo14/1/15

      Apenas curiosidade. É que também nasci pouco depois de 1755, topas?
      De gema e clara :-)

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    3. No fundo, todos nós :)
      Um bocadinho moura... só gema, pouco clara.

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