Já há muito tempo que a vejo ali, sentada, sempre na mesma poltrona, com os olhos baixos, ou então a dormir. Quando fala, acerta o discurso, não troca as tintas e não pede pela bicicleta, como a outra, nem quer comungar e pergunta pelo padre a um sábado, como aqueloutra. Já sei que está a acordar quando começa a murmurar, aquele último estadio do sono fá-la falar baixinho, lá coisas que só ela sabe. Como a compreendo, toda a vida falei a dormir, se calhar mais do que acordada, raio da criança, que não havia cristinho que me calasse à noite. Hoje abriu os olhos, no meio do murmúrio, e disse "Ah... estava a sonhar que tinha aqui um menino pequenino, um bebezinho, mesmo ao meu lado, e agora...". E agora, o bebezinho não estava ali, e ela confusa, mas como...? "Eu também sonhei que tinha um bebé, esta noite. Sou tão viciada em bebés que sonho muitas vezes que tenho um". Contou-me ela, logo a seguir, ainda eu estava mergulhada no sonho que sonho tantas vezes, que perdeu um filho, "Eu enlouqueci", e caíram-lhe duas lágrimas tão grossas que me pareceu que iam pesar-lhe no colo vazio, por isso apanhei-as com a mão e guardei-as, porque a mim me pesam francamente menos.
És tão bonita, LP.
ResponderEliminarOh, querida, sou nada.
EliminarQualquer pessoa apanharia aquelas lágrimas antes da queda...