Tem piada. Estava aqui com as minhas lucubrações, só não cofiando o meu bigode porque me falta um pormenor para o poder fazer, só não fumando um pensativo cigarro pelos mesmos motivos, e a congeminar na quantidade de mentiras que se dizem numa sala de audiências, e também na vida em geral — o que inclui, naturalmente, os blogues, ou não fizessem eles parte da vida a que chamam virtual, e que só é irreal por obra e graça dos seus autores, e é surreal porque também.
Por motivos que cada vez menos interessam, mas que são da vida real, já levo no lombo a experiência de algumas centenas de depoimentos na barra (reparem como é importante a ordem das palavras na frase: eu não disse que levo no lombo com a barra da experiência — mas até podia ser, neste caso), para além de, eu própria, ter sido testemunha duas vezes. E, da fonte segura que é a minha, digo aqui e agora, sem mentiras nem escamoteamentos que, em, pelo menos, 70 % dos casos, a testemunha mente: ou mente descaradamente, ou mente em quase todo o depoimento, ou dá umas mentirinhas aqui, outras ali. Eu também menti. Na minha primeira vez, toda virgem, adoptei o ar angelical (só faltou mandar pôr a tocar uma banda sonora a preceito) que a ocasião exigia, e desbronquei-me com a verdade toda. Já cá fora, o advogado da parte que eu ia defender chamou-me à atenção para o facto de eu ter sido demasiado sincera (pois não me pediam que fosse mulher honesta? Pois não era para ir lá desabafar? Olha, não me convidassem), pelo que, da segunda vez, mal me sentei na cadeirinha das testemunhas (a sério que aquilo devia ser barrado a pentotal sódico, para que não houvesse tantas dúvidas quanto à credibilidade das testemunhas — o povo senta-se naquilo e é só galga atrás de galga), embora tenha reutilizado o semblante virtuoso que havia usado aquando do desfloramento enquanto testemunha, foi um relambório de petas a jorrarem-me, profusas (e sim, deixei as cabeças da sala confusas), com todos os dentes que, naquele dia, tinha na boca (e já eram estes vinte e oito, porque os sisos do juízo já haviam saltado fora, senão eram mesmo trinta e dois, com a graça de Deus), um festival de pintura em grande estilo, que nem Rembrandt, nem o homem da Robbialac, nem um graffiter profisso seriam capazes de, os três juntos, me bater aos pontos.
É por isso que eu acho que, conforme dizia aquele pão com sal do Dr. House, Everybody lies.
Mente-se numa sala de audiências, após juramento e advertência de prática de um crime de falsas declarações caso se falte à verdade. Mente-se ao médico, nos sintomas, nos hábitos de saúde, alimentares, de higiene, ou sexuais.
Mente-se também no blog? Provavelmente, horrores. Ou umas vezes sim, outras vezes não, um-dó-li-tá. Mascara-se uma verdade chata, incómoda, sarnenta ou leishmaniosa. Douram-se as pílulas, sobretudo aquelas que ainda não se tomaram, as do próprio dia e as do dia seguinte. Romanceia-se uma realidade sem piada nem rei nem roque, fazendo vê-la com os nossos olhos, nos dias de boas vistas. Escondem-se mazelas e nódoas negras, momentos em que não — não mesmo —, não tivemos graça nenhuma, ave Maria, cheia de graça, que isto mais vale cair em graça do que ser engraçado e cair em desgraça. Isso é mentir? Até pode ser. Também mentimos ao espelho, ou isso nunca? Sabes, eu hoje estou com esta cara e cabelo de bruxa, vejo aqui uma bolinha de gordura que não estava cá ontem, mas eu já fui um cisne, e amanhã voltarei a sê-lo.
Se eu também minto? Minto, mas pouco. Acho mesmo que só tenho mentido quanto à minha idade.
Hoje vou-vos dizer a verdade, sob pena de praticar um crime de falsas declarações: não tenho 84 anos. Tenho um niquinho menos.
And you don't look a day older than 80 :P
ResponderEliminarBut I'm only 79... :P
EliminarNão li o texto todo, mas... estou chocado com a premissa!
ResponderEliminarEntão as pessoas mentem nas redes sociais!?
E só agora é que (descobriste) dizes isso???!?!
Estou em choque... :p
Também eu, estou em choque. Acabo de descobrir a pólvora seca, e ela rebenta-me logo assim, nas unhas? :P
EliminarBem se vê que não leste tudo. Nem sequer falei em redes sociais. :P
(Tenho que passar a escrever isto às postas mais pequeninas.)
Cito: "Everybody lies — no blog tamãe"
Eliminare: "e também na vida em geral — o que inclui, naturalmente, os blogues"
I rest my case.
Estás aqui, estás a levar com o martelo de bater os bifes que o juiz tem na mesa.
EliminarHaha, I was lying, os nossos juízes não usam martelo. Nem foice :P
«Romanceia-se uma realidade sem piada nem rei nem roque, fazendo vê-la com os nossos olhos»
ResponderEliminarPara mim, escrever é essencialmente isso. Nem sempre me sinto verdadeira, é um facto, mas depois há aqueles dias bons.
Tens 48.
Curiosamente, eu também não. E, no entanto, nunca minto. Apenas conto pelas minhas palavras. Nem tenho imaginação nenhuma, sequer.
EliminarSempre é um niquinho menos do que 84, e não é uma mentira absoluta.
Quase 94.
:)
EliminarEm novembro.
ó ié :)
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