Posso ter uma incompatibilidade genética com parques de estacionamento que não possuam via verde (essa mesma que encrava na Ponte 25 de Abril, dado que o povo se enfileira por ali, na gula de ir mais depressa que os outros todos, e dela sai à última da hora para a devida cabine com portageiro que lhe pertence, deixando atrás de si uma grande série de automobilistas genuína e compreensivelmente furiosos. Para quando separadores de cimento nos acessos à Ponte, e quem se enganasse, paciência, mamassem com a multa, que era para não serem distraídos/ chicos-espertos?) (Fica a dica, oh, senhores das Finanças, que tão bem sabem criar razões para autuar.)
Isto deu-se aqui há cerca de dias. Entrei no parque do Alvaláxia, que está até hoje a decidir se vale a pena ter uma forma de cobrança do estacionamento um nico mais expedita. Enquanto não, faz-nos retirar um bilhete à entrada, a pagar à saída numa das caixas que para ali há. De notar que o acesso pela rua se faz directamente para o - 2, caso não queiramos entrar por cima e descer em caracol uma data de andares, chegando enjoadas ao nosso destino. Como eu sou dessas, que até as rotundas me nauseiam, entrei pela do - 2. Retirei o meu bilhete, fui lá à minha vida, e demorei tão pouco que a máquina de pagamento me cobrou quarenta cêntimos (mesmo assim, um furto!). Meti-lhe uma moeda de cinquenta pela goela, ela disse-me por escrito que devia sair em não sei quantos minutos e não me cuspiu o troco.
Olhem, passei-me. Quer dizer, devo ter-me passado, a avaliar pelo que se passou a seguir.
Primeiro, arrefinfei um murro na máquina, a ver se ela acordava, ou me saía um jackpot, qual slot machine. Mas nada.
Segundo, carreguei no botão de pânico ajuda e o senhor que estava lá dentro falou comigo, educadamente, assim que lhe transmiti a minha agonia. Não referi que eram dez cêntimos, disse apenas que a despesa eram quarenta e tinha posto uma moeda de cinquenta. Ele é que fez a matemática, que eu já não me encontrava em condições de semelhantes raciocínios. A senhora está a falar para uma central, mas vá ali à recepção, que o meu colega lhe dá os dez cêntimos. Portanto, o homem está trancado numa lata com, basicamente, o tamanho dele, a fazer cálculos matemáticos, e diz que fala da central. Tive vontade de lhe responder que daqui falava do Pentágono, mas para formas geométricas estranhas já bastava o sítio onde me encontrava, conforme veremos a seguir. Perguntei então onde é que era a recepção, ao que ele me respondeu: O estádio é redondo [eu, por acaso, julgava que era oval, mas ele lá deve conhecer um campo de futebol redondo, tipo praça de touros, mas em maiorzinho], mas se a senhora for pela sua esquerda, chega lá mais depressa. Mas tem que ir até ao - 1. Então, porque nunca me passou pela cabeça desistir dos meus dez cêntimos, meti-me a caminho. Apanhei o elevador, pois escadas viste-las, que demorou uma eternidade a chegar e outra eternidade a subir. Alcancei o piso - 1 e toca a andar pela esquerda. Andei, andei, andei, gastei solas e energias, mas sempre com aquele mantra a girar-me na bola: Dez cêntimos são vinte mil réis, e isto não deixa de ser uma questão de princípio. Havia vislumbrado uma placa a dizer "RECEÇÃO", que foi, no fundo, o que me deu alento para continuar a minha demanda. (De salientar que levava as minhas botas mais altas.) Depois percebi que a tal placa era única, quando continuei a andar sem qualquer tipo de orientação sinalética. Ao cabo de, sei lá, talvez duzentos metros a passear no parque, avistei um barraco iluminado, com montra de vidro, acerquei-me e verifiquei que não estava nenhuma pessoa lá dentro, assim à vista. Havia uma porta ao fundo e então tive uma esperança, vinda dali. Por isso, bati no vidro, mas não apareceu ninguém. Bati segunda vez, e foi quando presumi que o senhor responsável por aquele métier devia estar a fazer cocó. Presumi também que já não devia ter muitos minutos para gastar do meu cartão de estacionamento já pago, e não teria tempo para esperar que o senhor limpasse o rabo. (Será que o homem era o mesmo da caixa de pagamento, o tal que dizia que estava a falar de uma central?) (Ou um avisou o outro, Olha, vai aí uma senhora extremamente bela maluca por causa de dez cêntimos, tu mete-te nas p.?) Coloquei o cartão numa máquina de pagamento e sobravam-me quatro minutos para sair do parque sem me multarem/ prenderem/ penhorarem o carro. Iluminei-me com o seguinte pensamento: "Que se forniquem a merda dos dez cêntimos" e dei corda à bota até Rosinha, que me esperava impávida e azul. Saímos do parque mesmo à pele de termos que pagar um rim por causa de dez cêntimos, ou de um princípio estúpido que me tinha assaltado à mão armada o neurónio sobrevivo minutos antes.