27/11/2020

€ 0,10

Posso ter uma incompatibilidade genética com parques de estacionamento que não possuam via verde (essa mesma que encrava na Ponte 25 de Abril, dado que o povo se enfileira por ali, na gula de ir mais depressa que os outros todos, e dela sai à última da hora para a devida cabine com portageiro que lhe pertence, deixando atrás de si uma grande série de automobilistas genuína e compreensivelmente furiosos. Para quando separadores de cimento nos acessos à Ponte, e quem se enganasse, paciência, mamassem com a multa, que era para não serem distraídos/ chicos-espertos?) (Fica a dica, oh, senhores das Finanças, que tão bem sabem criar razões para autuar.)

Isto deu-se aqui há cerca de dias. Entrei no parque do Alvaláxia, que está até hoje a decidir se vale a pena ter uma forma de cobrança do estacionamento um nico mais expedita. Enquanto não, faz-nos retirar um bilhete à entrada, a pagar à saída numa das caixas que para ali há. De notar que o acesso pela rua se faz directamente para o - 2, caso não queiramos entrar por cima e descer em caracol uma data de andares, chegando enjoadas ao nosso destino. Como eu sou dessas, que até as rotundas me nauseiam, entrei pela do - 2. Retirei o meu bilhete, fui lá à minha vida, e demorei tão pouco que a máquina de pagamento me cobrou quarenta cêntimos (mesmo assim, um furto!). Meti-lhe uma moeda de cinquenta pela goela, ela disse-me por escrito que devia sair em não sei quantos minutos e não me cuspiu o troco. 

Olhem, passei-me. Quer dizer, devo ter-me passado, a avaliar pelo que se passou a seguir. 

Primeiro, arrefinfei um murro na máquina, a ver se ela acordava, ou me saía um jackpot, qual slot machine. Mas nada. 

Segundo, carreguei no botão de pânico ajuda e o senhor que estava lá dentro falou comigo, educadamente, assim que lhe transmiti a minha agonia. Não referi que eram dez cêntimos, disse apenas que a despesa eram quarenta e tinha posto uma moeda de cinquenta. Ele é que fez a matemática, que eu já não me encontrava em condições de semelhantes raciocínios. A senhora está a falar para uma central, mas vá ali à recepção, que o meu colega lhe dá os dez cêntimos. Portanto, o homem está trancado numa lata com, basicamente, o tamanho dele, a fazer cálculos matemáticos, e diz que fala da central. Tive vontade de lhe responder que daqui falava do Pentágono, mas para formas geométricas estranhas já bastava o sítio onde me encontrava, conforme veremos a seguir. Perguntei então onde é que era a recepção, ao que ele me respondeu: O estádio é redondo [eu, por acaso, julgava que era oval, mas ele lá deve conhecer um campo de futebol redondo, tipo praça de touros, mas em maiorzinho], mas se a senhora for pela sua esquerda, chega lá mais depressa. Mas tem que ir até ao - 1. Então, porque nunca me passou pela cabeça desistir dos meus dez cêntimos, meti-me a caminho. Apanhei o elevador, pois escadas viste-las, que demorou uma eternidade a chegar e outra eternidade a subir. Alcancei o piso - 1 e toca a andar pela esquerda. Andei, andei, andei, gastei solas e energias, mas sempre com aquele mantra a girar-me na bola: Dez cêntimos são vinte mil réis, e isto não deixa de ser uma questão de princípio. Havia vislumbrado uma placa a dizer "RECEÇÃO", que foi, no fundo, o que me deu alento para continuar a minha demanda. (De salientar que levava as minhas botas mais altas.) Depois percebi que a tal placa era única, quando continuei a andar sem qualquer tipo de orientação sinalética. Ao cabo de, sei lá, talvez duzentos metros a passear no parque, avistei um barraco iluminado, com montra de vidro, acerquei-me e verifiquei que não estava nenhuma pessoa lá dentro, assim à vista. Havia uma porta ao fundo e então tive uma esperança, vinda dali. Por isso, bati no vidro, mas não apareceu ninguém. Bati segunda vez, e foi quando presumi que o senhor responsável por aquele métier devia estar a fazer cocó. Presumi também que já não devia ter muitos minutos para gastar do meu cartão de estacionamento já pago, e não teria tempo para esperar que o senhor limpasse o rabo. (Será que o homem era o mesmo da caixa de pagamento, o tal que dizia que estava a falar de uma central?) (Ou um avisou o outro, Olha, vai aí uma senhora extremamente bela maluca por causa de dez cêntimos, tu mete-te nas p.?) Coloquei o cartão numa máquina de pagamento e sobravam-me quatro minutos para sair do parque sem me multarem/ prenderem/ penhorarem o carro. Iluminei-me com o seguinte pensamento: "Que se forniquem a merda dos dez cêntimos" e dei corda à bota até Rosinha, que me esperava impávida e azul. Saímos do parque mesmo à pele de termos que pagar um rim por causa de dez cêntimos, ou de um princípio estúpido que me tinha assaltado à mão armada o neurónio sobrevivo minutos antes. 


20/11/2020

Não consigo publicar comentários em blogs ou sequer responder a comentários que me deixam aqui

 Pronto, é isto. Só para saberem que eu não sou (assim tão) malcriada.

Vá lá a ver se o coiso agora publica este pedaço de mau caminho.

13/11/2020

Insondáveis cá meus

Arre, égua, que não ponho aqui os sapatos de salto alto há um mês, precisa e literalmente. 

Então, outro dia fui comprar coisas e deixei Rosinha, minha canoa, num parque aberto ao exterior e às intempéries da vida, daqueles que têm uma coluna dispensadora de cartões à entrada e uma caixa de pagamento à saída, que antecede outra coluna, onde devemos esfregar o cartão num coiso óptico, para que a cancela abra e possamos sair dali para fora (e também onde se deu este bocado da minha vida, que é dos tais que porra, gostaria de pensar que nunca ocorreram, quanto mais vir para aqui registá-los para a posteriori). Isto é de uma ginástica mental que havia de ser elevada a modalidade olímpica.

Bom, paguei o valor que a caixa de pagamento me indicava (local onde há poucas semanas tivera um desaguisado com uma senhora pedinte, a propósito de estar com a máscara na boca, quase dentro dela), meti-me em Rosinha, dirigimo-nos para a cancela, abri o vidro, meti a manita de fora, fiz tudo como manda o figurino, mas não, porque as bruxas me andam no encalce, e nada pode ser assim tão linear na minha existência: deixei cair o cartão para o chão. Pronto, travão de mão, porta aberta, Rosinha a piar, pi-pi-pi, eu fora do carro, o terror: no chão, cerca de dez bilhetes, todos iguais ao que havia de ter sido meu e eu, inadvertidamente, deitara fora. Neste momento, claro que Murphy interveio e obviamente que já havia dois carros atrás da minha canoa. Fiz sinal ao de trás, que havia perdido o bilhete e não sabia qual deles era o meu - isto tudo em linguagem gestual, aquele senhor que acompanha a senhora ministra e a senhora directora-geral é um menino ao pé de mim -, mas o homem estava, sei lá eu, aflitinho para cagar, cheio de pressa, e começou logo a bufar, o que só piorou a minha situação, por me ter deixado assaz enervada. Para já, fiquei logo desgrenhada, ou a sentir-me assim. Era casaco para um lado, cabelos para o outro, a mala a tiracolo (pois que a experiência me diz que jamais volte a sair da canoa sem levar as chaves comigo), e os dez bilhetes no chão, todos iguais. Pus-me então a experimentá-los um a um, enquanto vociferava contra a minha vida. Apercebi-me que quase metade (cerca de quatro, portanto) estavam molhados e colados ao chão, derivados à chuva que caíra não sei quando. Mesmo assim, experimentei esses lá no sensor óptico, muito moles e a ameaçarem rasgar-se, uma deprimência pegada pegajosa. No entanto, não havia tentativa, reza ou força mental hercúlea que elevasse a p. da trave para eu sair dali. O de trás sugeriu-me aos berros que fizesse marcha-atrás (para os cerca de cinquenta centímetros que iria conseguir para a manobra, caso ele se esborrachasse contra o de trás dele) e fosse pedir ajuda à caixa de pagamento, e eu desesperei. Já tinha experimentado todos os bilhetes que estavam no chão, nenhum abriu lá o Sésamo, e pensei que ir falar para uma máquina, naquele momento da minha vida, seria o equivalente a pedirem-me para me lançar de para-pente sobre o mar de Dezembro. Entrei em Rosinha, dei aquele suspiro de quem já nada espera que não seja mais um montinho de merda, olhei para a minha mão esquerda e tinha lá um bilhete. Experimentei-o, só naquela, e ele abriu a cancela. 

(Não, não tive sempre aquele bilhete na mão. Foi precisamente com a esquerda que apanhei todos os bilhetes do chão e os experimentei no sensor. De duas, uma: ou aquele foi o último que apanhei e ainda não o tinha experimentado, ou - muito mais provável - quem me abriu a cancela foi o senhor que está fechado dentro da caixa de pagamento, porque o meu bilhete, simplesmente, foi engolido por Nárnia.)