Bastantes coisas em mim, mas particularmente as idas à boutique dos cafés, são dignas de serem registadas, quanto mais não seja porque tudo e tudo vem ter comigo.
Então, estou na zona de espera pela minha vez, tenho doze senhas à frente da minha, conto catorze, dezasseis, porque sei que, nos entrementes, surgirão, caídas do céu aos trambolhões, quatro grávidas/ empurradores de carrinhos com um ou mais petizes/ idosos/ portadores da muleta e outros Sacis Pererês desta vida, que me passarão à frente, já que têm que ir descansar as pernas/ amamentar o infante/ descalçar os sapatos/ ver televisão.
Eu, que não sou detentora de prioridade alguma, recosto-me assim numa coluna logo ali ao lado do balcão de degustação, enquanto confirmo que a maioria dos presentes, após esperar duas ou três décadas de minutos, se vinga não sei do quê e faz precisamente o que lhe fizeram os que foram atendidos antes: demora uma eternidade para simplesmente comprar café. Sinto-me injustiçada, porém incapaz de fazer o mesmo, e, por isso, a minha compra não demora mais do que cinco minutos, três e meio dos quais despendidos nos salamaleques do funcionário.
Nisto, dá-se um estrondo mesmo ao meu lado, e um dos bancos do bar, todo em ferro, faz-me uma tangente ao pé, quase desenhando uma secante naquela unha. Atrás do banco, uma senhora de idade havia voado em direcção ao solo, e estava agora sentada, encostada à parede do balcão. O camelo que a acompanhava, para além de exclamar "É sempre a mesma coisa!", afastou-se lá para o fundo da sala, fingindo não a conhecer. Até parece que consigo ouvi-lo também a dizer "E amar-te e respeitar-te", mas estou demasiado ocupada a tentar içar a mulher dele do chão, eu e mais três homens, que o resto do mulheredo fez o mesmo que o esposinho da caída, e pôs-se a assobiar para o ar, numa maravilhosa melodia natalícia colectiva. Mas é que a pessoa estatelada fez-se em peso morto, e quem é que a levantava? Nós quatro, claro. Enfim, fizemos uma espécie de team work, contámos até três e, aos três, puxámos-lhe os dois braços e conseguimos, pelo menos, soerguê-la. Não lhe doía nada, pois caíra sentada e lá teria as suas reservas naturais que a impediam de se fracturar.
Pronto, depois fui atendida, tendo demorado, afinal, cerca de seis minutos, numa estéril discussão com o rapaz de serviço, pois quis adquirir um café com travo a chocolate, que não era o ciocattino, lá descobri a cápsula correspondente, ele que não, que esse não era chocolate, era cacau [revirar de olhos], eu que a cápsula era verde, ele que não, que essa era azul [olhos só com a esclera à vista, passe a expressão], lá me pus a cavar, como diz o povo, não fosse cair-me ali mais alguma grávida ou alguma idosa do céu aos trambolhões, que, desta vez, me acertasse na tal unha, fazendo de mim uma prioritária imediata da muleta.
Se calhar, ainda cá volto para vos desejar um bom ano. Se não, cá vai: um bom ano. A sério, um ano feliz.